A Liberalidade: o novo estatuto social dos artistas no Renascimento português.

30 Setembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A reivindicação de uma melhor dimensão estatutária por parte dos artistas portugueses, à luz daquilo que na Itália renascentista se entendia por liberalità e nobiltà, tem sido matéria privilegiada de estudos no contexto do Humanismo. Verifica-se que a influência do tratadismo, as viagens a Roma e Antuérpia, e os debates no seio dos studia humanitatis abriram campo, nos reinados de D. Manuel I e de D. João III, para que os pintores, escultores, iluminadores, ourives, arquitectos e outros artistas se consciencializassem do seu dever de reclamar um estatuto social de privilégio, dada a «antiguidade» e «nobreza» das artes que praticavam e a exemplo do que noutros reinos já se reconhecia. Estudam-se na paisagem portuguesa casos de auto-retratos (Vasco Fernandes), de pleitos entre artistas e clientes (João de Ruão, Diogo de Contreiras), de debates no seio de estruturas corporativas (saída da Bandeira de São Jorge), de afirmação individual da liberalidade (João de Castilho, Chanterene, Gregório Lopes), de reivindicação de cargos (Cristóvão de Figueiredo), e até de defesa de segredos da arte (Reimão d'Armas). O tempo do Renascimento foi rico, em Portugal, destes e outros sintomas de que os melhores artistas não olhavam a meios para afirmar a sua identidade criadora e obter a emancipação da sua classe.