Apresentação do Programa

16 Setembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

PROGRAMA DA DISCIPLINA ARTE DO RENASCIMENTO E DO MANEIRISMO EM PORTUGAL

(Licenciatura, 3º ano, nº 77737, 2019-2020), 1º semestre, 2ªs e 5ªs, 10-12 h.

Docente: Prof. Vitor Serrão.

 

 

Objectivos:

 

     O objectivo científico do programa desta nova unidade curricular visa caracterizar, de modo o mais possível actualizado, a cultura artística produzida em Portugal em três tempos distintos e cronologicamente sucedâneos – de cerca de 1460 a cerca de 1620 --, com indiscutível força de inovação e qualidades plurais específicas: o Renascimento propriamente dito na sua expressão humanística e na sua devoção ao classicismo all’antico, captado sob influências mistas (italiana, flamenga, castelhana, e francesa); o Maneirismo, fase de eufórica busca libertária no plano da criação e da afirmação estatutária (a Bella Maniera); e o Maneirismo reformado (ou Contra-Maniera), arte das Contra-Reforma católica, fidelizada a parâmetros de propaganda e catecismo que, no seu alinhamento ao decorum tridentino, abrem caminho ao Barroco seiscentista.

     Longe de se poderem inscrever em balizas cronológicas precisas, estes três «ciclos estilísticos» (que por vezes se interpenetram entre si, ao sabor de involuções descontínuas e fidelidades retardatárias), precisam de ser estudados de per si, numa perspectiva alargada de integração que não esqueça, entre outros, os contextos políticos, literários, religiosos e laborais em que tais estilemas se desenvolveram, sem esquecer os desdobramentos imperiais inerentes, sabendo-se que a realidade portuguesa dos séculos XV e XVI (e XVII) integra um vasto espaço ultramarino (que se estende ao Maghreb, à costa africana, ao Brasil, ao Estado da Índia Portuguesa, à China, ao Japão) onde a sua influência se faz sentir (bem como, em terreno de miscigenações, se sentem influências-outras emanadas dos novos territórios de conquista ou penetração). Temas como a arte indo-portuguesa ou a arte sino-portuguesa, ou os Biomboas Nam-Ban, por exemplo, não podem, por isso, ser descartadas no presente programa de estudos.

     A forte influência da cultura do Quattrocento italiano, que se prolonga até à produção final de Rafael de Urbino († 1520), marca no caso português o episódio brilhante do Renascimento e a especificidade dos seus resultados, quer no campo da arquitectura (João de Castilho, Miguel de Arruda), da escultura (Chanterene, João de Ruão) ou da pintura (de Nuno Gonçalves a Gregório Lopes), quer no campo das artes de decoração (talha, azulejo, ourivesaria, mobiliário, têxteis…), quer na consciência emergente que conduz à reivindicação de um estatuto de liberalidade criativa, que se define melhor com as viagens a Roma de uma série de artistas nacionais em tempo de D. João III e D. Sebastião, já em decisiva viragem de gosto para o Maneirismo. Com este estilo, a Bella Maniera (em que se inscrevem a obra poética de Luís de Camões e a teoria da arte de Francisco de Holanda), a arte portuguesa envereda por um tempo de ousadias, uma frenética busca de novos caminhos, em incisiva ruptura com anteriores academismos e esgotamentos formais. Enfim, após cerca de 1580, é a arte mais disciplinada e pedagógica da Contra-Maniera que vai desenhar o seu curso produtivo, com resultados por vezes admiráveis na busca de consensos vernáculos, coincidentes com a nova realidade nacional decorrente da Monarquia Dual filipina.

     Aprender a ver, a ler e perceber as obras de arte inscritas neste arco temporal -- 1450 a 1620 – e saber conjugar as linhas de evolução temporal, descobrindo as suas valências específicas, são os objectivos desta unidade curricular que pretende reavaliar um dos mais brilhantes «tempos» da História da Arte portuguesa (e ultramarina).

 

Avaliação: os alunos serão avaliados mediante um teste presencial (28 de Novembro) e um trabalho prático (ficha analítico-descritiva de uma obra de arte portuguesa, ou existente em Portugal, que se integre nos ‘tempos’ em apreço, e que será apresentado e discutido em aula complementar).

 

 

Conteúdos Programáticos:

 

1.       Visão de conjunto sobre a arte portuguesa de circa 1460-1620: entre o Tardo-Gótico, o Renascimento, o Maneirismo e a Contra-Maniera. O século XVI português e o processo da Expansão: os chamados Descobrimentos como antecâmara de novas relações e partilhas artísticas com a Europa e o Mundo.

2.       A cultura do Humanismo em Itália e em Portugal e os sintomas de viragem proto-renascentista nos Painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves.

3.       O Tardo-Gótico na arquitectura portuguesa e ultramarina: do fenómeno do gótico-manuelino ao ‘modo antigo’. Humanismo, Proto-Renascimento e Classicismo na construção portuguesa e ultramarina. Os poderes laicos e as Ordens religiosas: a importância da Ordem de São Jerónimo.

4.       A corte do Renascimento com D. Manuel I e D. João III: o papel dos literati, a antichità, o gosto artístico ao romano, o novo mecenato e o peso da cultura cristocêntrica, os movimentos da Devotio Moderna e da Ars moriendi. Cultura artística e antropocentrismo. Matematização do mundo. A ciência e o rigor da forma geométrica. A caligrafia e a iluminura. Importações de arte e mão-de-obra estrangeira.

5.       Arquitectura renascentista ‘ao italiano’: João de Castilho, Miguel de Arruda, Diogo de Torralva. Tomar, Évora, Coimbra, centros ‘ao romano’. O fascínio das ‘rovine’ e o culto da Antiguidade.

6.       A escultura: a vinda de Nicolau de Chanterene e a sua obra. João de Ruão e o ‘ciclo do calcáreo’ em Coimbra. Os barristas: Felipe Odarte. Francisco Loreto e os escultores franceses.

7.       A pintura e as demais artes da Flandres e da Itália: dois polos interpretativos de um ‘tempo’. O pintor Francisco Henriques, a «oficina do Espinheiro» e o chamado Mestre da Lourinhã.

8.       A pintura manuelino-joanina: Jorge Afonso e a ‘oficina régia de Lisboa’. Gregório Lopes e os ‘mestres de Ferreirim’. Vasco Fernandes, o Grão Vasco. As oficinas regionais (Viseu, Viana do Castilho, Évora). Pintar como exercício científico e intelectual: a apreensão da terceira dimensão e da perspectiva aérea.

9.       A nobre arte do retrato cortesão: a busca de rigor numa arte ‘pelo natural’ que se ajutonomiza.

10.   As artes decorativas: entalhe, azulejo, mobiliário, pratas. O indo-português.

11.   Artes da cal e novas linguagens decorativas: stucco, fresco, esgrafito, embrechado.

12.   As viagens a Roma: Francisco de Holanda e Campelo. A tratadística, o desenho e a gravura. O Neo-Platonismo e o Irenismo. Os novos mecenas. A internacionalização das artes e os conceitos de liberalità e de Maniera. A Arqueologia e a descoberta das antigualhas.

13.   A pintura maneirista em Portugal e os novos paradigmas do ‘despejo’. A primeira geração de artistas: Campelo, João Baptista, António Leitão, Gaspar Dias.

14.   A escultura e talha maneiristas: Diogo de Çarça e Felipe de Bries. Novas tipologias de retábulos e de cadeirais. Jerónimo de Ruão e o ‘flamenguismo’: sondagem de novas cenografias do espaço (a igreja da Luz de Carnide).

15.   A reivindicação de um estatuto social de liberalidade: da corporação gremial à inventio. A carta de Diogo Teixeira a D. Sebastião em 1577.

16.   Repercussão dos tratados de arte em Portugal: do Proto-Renascimento aos valores anti-clássicos. A arquitectura de Nicolau de Frias e o palácio ducal de Vila Viçosa.

17.   As artes no Império: pintura, escultura e talha em Goa, a chamada ‘Roma do Oriente’, e no Estado da Índia portuguesa.

18.   Ética e estética no Renascimento e o Maneirismo: a consagração dos valores humanistas. A influência das ideias de Benito Arias Montano.

19.   A busca do fantástico e o sentido da liberdade criadora: a consagração do Grotesco e do Brutesco. O fresco maneirista português. A pintura de Francisco de Campos.

20.   O Concílio de Trento (1545-1563) e a sua influência religiosa, cultural e artística. O papel mecenático dos Arcebispos D. Teotónio de Bragança em Évora e D. Frei Bartolomeu dos Mártires em Braga. As novas orientações conciliares. As obras de Nicolau de frias e Pero Vaz Pereira.

21.   O conceito de ‘decorum’, o ‘estilo chão’, o gosto desornamentado: a construção portuguesa e ultramarina pós-tridentina.

22.   Censura e iconoclasma no campo das artes: o escândalo de Soror Maria da Visitação e o pintor Fernão Gomes. Casos de artistas reprimidos e de obras de arte destruídas, enterradas ou modificadas por ordem dos censores do santo Ofício.

23.   A pintura contra-maneirista portuguesa à luz de novos desígnios catequéticos: os casos de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão.

24.   A iluminura (Estêvão Gonçalves Neto), a escultura contra-maneirista (Gonçalo Rodrigues) e as outras artes: a viragem circa 1600.

25.   No limiar do Barroco: as últimas expressões maneiristas face a uma arte que se renova no sentido de um novo naturalismo com marca de pedagogia e rigor.