O pintor régio Gregório Lopes e a liberalidade das artes no Renascimento português.

31 Outubro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Pintor régio de D. Manuel, confirmado por D. João III, e cavaleiro da Ordem de São Tiago, GREGÓRIO LOPES (Lisboa, c. 1480-1550) foi o mais notável pintor da «escola de Lisboa». Educado na tradição renascentista nórdica, com influxos de Antuérpia, pintou documentalmente no Tribunal da Relação (1518-19), no mosteiro de São Francisco da Cidade (1524-25), para o mosteiro de Ferreirim (1533-34), na Charola do Convento de Cristo e na igreja de São João Baptista de Tomar (1536-39), na Sé de Évora (c. 1540), e para o Bom Jesus de Valverde (1544).. A primeira obra documentada do pintor régio de D. João III foram as pinturas que realizou em 1536-1538 para os altares da Charola do Convento de Cristo em Tomar, que são peças exímias de desenho, composição e cor. Destas, o MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO e A VIRGEM, O MENINO E ANJOS NUM JARDIM encontram-se no Museu Nacional de Arte Antiga. O fundo do Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes em 1536-38 por encomenda de Frei António de Lisboa para um dos altares pequenos da Charola do Convento de Cristo em Tomar, hoje no MNAA, oferece-nos uma das mais detalhadas vistas da baixa de Lisboa no tempo de D. João III. Atestam-se as notórias dinâmicas de crescimento e modernização da cidade. Como observa António Borges Coelho (O Tempo e os Homens. Questionar a História. III, ed. Caminho, 1996), Lisboa desenvolve-se como cidade globalizada, acompanhando o percurso das naus que demandam o porto, vindas de todas as partes do mundo. Nesta encomenda de Frei António de Lisboa para um dos altares pequenos da Charola do Convento de Cristo de Tomar, hoje no MNAA, também se assinala a visão de um terrífico auto-de-fé com queima de judeus no canto extremo da direita da composição, um sinal de que ventos de mudança alteravam o facies de Lisboa e que novos tempos de intolerância religiosa se aproximavam…

A produção normativa da Oficina Régia de Lisboa dos anos 30 e 40, dominava então um regime de trabalho com características de tradição medieval (um trabalho anónimo, colectivista, gremial), tem bom testemunho na «sociedade» de empreitada que Cristóvão de Figueiredo, pintor do Cardeal-Infante D. Afonso,  forma com seus ‘companheiros’ Garcia Fernandes e Gregório Lopes para pintarem  os três retábulos da igreja do Mosteiro franciscano de Ferreirim, na Diocese de Lamego, em 1533-1534. A arte requintada do pintor régio Gregório Lopes tem expressão nos fundos de arquitectura clássica, onde se deleita a tratar (ao gosto da construção renascentista de João de Castilho) as logge, balcões, varandas, arcadas e galerias de colunas, de ordem jónica ou coríntia, que entretanto se iam imiscuindo no gosto da obra pública e privada da Lisboa joanina, centro cosmopolita por excelência. O fundo deste painel da igreja de São João Baptista em Tomar, expressa bem essa tendência erudita, entre o antiquizante e o moderno. O pintor régio Gregório Lopes, um dos mais do Renascimento português, faleceu em 1550, com honras de cavaleiro de Santiago e prestigiado artista da corte. Em 1544, a mando do Cardeal D. Henrique, pintara três retábulos para o Santuário do Bom Jesus de Valverde, hoje no Museu de Évora, uma das quais a Ressurreição de Cristo,

O mosteiro dos comendadeiras de Santos o Novo estima-se também, entre os empreendimentos dos espatários, pela notabilidade da sua retabulística e da sua pintura, em que avulta o políptico renascentista da autoria do célebre pintor régio Gregório Lopes, que data de cerca de 1540 e cujas tábuas se encontram no Museu Nacional de Arte Antiga, seis delas, e numa dependência do mosteiro de Santos, duas outras. É uma das mais significativas produções maduras de Gregório Lopes, que era ademais, além de pintor régio de D. João III, cavaleiro fidalgo da Ordem de Santiago por nomeação de 1520. Provavelmente, trata-se de uma encomenda de D. Jorge de Lencastre (1481-1550), filho bastardo de D. João III e administrador da Ordem de Santiago de 1482 até à morte. A este nobre se deveu a nomeação do pintor Gregório Lopes, em 1520, como cavaleiro espatário e pintor adstrito às encomendas da Ordem militar de Santiago. O retábulo devia destinar-se ao altar-mor da nova igreja do mosteiro de Santos