Os Grotescos da Antiguidade clássica e a sua influência na arte do Renascimento em Portugal.

29 Outubro 2020, 09:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Grotesco. Género muito popular no início do século XVI depois ds descobertas das pinturas dos palazzi romanos de Tibério e Nero, que tanto encantaram os artistas e arqueólogos o final do Quattrocento. Segundo Benvenuto Cellini o nome vem da gruta do Monte Esquilino, em Roma, restos subterrâneos da Casa de Ouro de Nero postos a descoberto em 1480 e muito visitados pelos artistas do Renascimento como Pinturicchio, Rafael, Giovanni da Udine, Filippino Lippi, Pinturicchio, Sodoma, Aspertini, Ferrari Gaudenzio e o portuguêrs Francisco de Holanda. Alguns gravadores, como Nicoletto da Modena, Zoan Andrea de Mântua, Agostino Veneziano e Eneas Vico, difundiram o grotesco romano na Europa, tal como mostrou Nicole Dacos no seu célebre livro La Découverte e la Domus Aurea et la diffusion des grottesque à la Renaissance, de 1969. Com o avançar do século XVI, o uso desta decoração já era fonte de desprezo para teóricos como Vasari, que os descreveu "ridículas pinturas licenciosas“, e a Igreja da Contra-Reforma irá criticar o seu uso em igrejas. Na verdade, o grotesco, que se caracteriza pela negação do espaço, seres híbridos e monstruosos, temas libertinos, de figuras fantásticas, assumem a imagem do all’antico. Depois da descoberta das decorações da casa de Nero (1480), sob o pretexto de imitatio antiquitatis, foram muito seguidos. Pintores famosos usam-nos, gravadores abrem estampas. Giovanni da Udine, ao contrário do Morto da Feltre (que ganhou o título, de acordo com Vasari, por ter passado mais tempo abaixo da terra copiar grotesco), deu vitalidade a este género de monstruosidades e do fantástico pagão. Com a Contra-Reforma e o fim do Maneirismo, o grotesco tende a desaparecer, limitado ao arabesco e à chinoiserie – menos em Portugal. O grotesco passa então a significar algo estranho, assumindo a conotação de ridículo e caricatural…Dos novos géneros da pintura de óleo, têmpera e azulejo usados nos séculos XVII-XVIII, o Brutesco Compacto deve ser entendido como solução plástica sujeita a uma dimensão nacionalizada, imposta pelo contexto do isolamento vivido após a Restauração mas mantida, depois, com a força cenográfica da sua originalidade. O que pareceu atavismo é, afinal, afirmação de modernidade possível – existem conjuntos com decorações brutescas em arcos, paredes, tectos de espaços religiosos e civis que, independentemente da modalidade em que são executados (azulejo ou óleo), surpreendem pela sua largueza ornamental: falámos antes, entre muitos testemunhos possíveis, dos casos de Santa Maria de Óbidos, da Capela Real de Salvaterra de Magos, de São Mamede de Évora, das matrizes de Bucelas e da Ameixoeira, da Misericórdia de Viana do Castelo, de São Miguel de Alfama, sem esquecer exemplos nas ilhas atlânticas, em Angola (igreja do Carmo de Luanda) e no Brasil (matriz de Tiradentes, Minas Gerais).

Como disse José Meco, se houve um mundo em que os portugueses souberam nacionalizar referenciais externos, vernacularizar as linguagens dos repertórios e transfornar a pintura, tanto a de azulejos como a de tectos em madeira e estuque, em harmoniosas valências unívocas, esse foi sem dúvida o mundo do Brutesco nacional da fase pedrino-joanina .