Sobre o nosso trabalho conjunto
29 Abril 2019, 14:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
ABRIL 2ª FEIRA 12ª AULA
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Voltámos a escolher estar ao ar livre para a realização da nossa sessão de seminário. À volta de duas mesas juntas sentámo-nos para uma conversa sobre o desenvolvimento do nosso programa e o andamento dos trabalhos finais dos nossos alunos.
Apurámos que existem ainda zonas de penumbra de diversa natureza na moldagem dos ensaios finais e que é preciso que alguma bibliografia possa ser disponibilizada para acerto de leituras anteriores. Há quem tenha já estruturado o rumo que pretende seguir, há quem esteja equacionando suas dúvidas, há quem aguarde o momento certo que lhe ditará o arranque da escrita.
O nosso encontro teve a qualidade de um verdadeiro debate, na medida em que questionámos as fragilidades de cada um dos núcleos de trabalho e as suas reais potencialidades ao estabelecerem nexos entre si. Assegurados respectivamente pelos quatro professores através destes núcleos operámos nas áreas das artes plásticas, artes cénicas, artes fílmicas, filosofia, teoria e prática dramatúrgica em estudo de caso, acompanhamento de processo de encenação.
Tivemos cinco saídas de campo: ensaio de ópera, ensaio de teatro, conferência/mesa-redonda, estreia de espectáculo de teatro, espectáculo de teatro. Teremos ainda duas saídas à Fundação Calouste Gulbenkian em busca do cérebro e para dele ouvirmos falar na produção de consciência.
Verificámos que cada núcleo programático era demasiado exigente para o tempo que lhe foi atribuído. Fomos incautos na distribuição de calendário.
Verificaram os alunos que o título do nosso seminário – Espectáculo e Cognição – se diluiu nos nossos afazeres sem ter sido claramente explicitado. Talvez os alunos tenham razão por lhes termos omitido clareza conceptual. Não houve da nossa parte nenhuma estratégia oculta. Quisemos antes que fossem os alunos a fazerem esse percurso em função da diversidade de propostas e do modo como elas iam sendo apresentadas e trabalhadas.
Vejamos então.
A relação com a dimensão espectacular dos objectos que visionámos traduziu-se numa escolha disponível na cidade e arredores, numa proximidade a esses objectos por interposta mediação (interesse de programa, presença de aluno ou professor na equipa artística, paralelismo ideológico entre textos, integração conceptual entre áreas) e sobretudo no interesse de podermos fazer uso das nossas capacidades mentais e afectivas como a percepção, a atenção, o poder associativo, o jogo do imaginário, a criação de juízos de valor, o puro raciocínio, o recurso à memória, na perspectiva de sermos capazes de formular discurso (oral e escrito) sobre essas experiências.
Estivemos assim, em determinados períodos de tempo e em diversos espaços a processar informação que desejamos transformar em conhecimento. E mais do que isso, procurámos moldar-nos interiormente como seres.
A condição de espectadores destas produções deu aso a que a nossa capacidade de atenção ao observado fosse alvo das nossas próprias perguntas e que através delas tivessemos podido defender os nossos pontos de vista. Este exercício comum a muitos dos actos que realizamos quotidianamente teve nas saídas de campo a extensão possível que amparou o nosso programa. Apesar disso, o nosso estado de consciência durante a assistência aos espectáculos não terá sido alvo da nossa específica atenção. Também poderá ter sido, embora não nos tivessemos questionado sistematicamente acerca disso. É difícil a uma mente atenta ao que nos é exterior produzir controlo sobre o seu próprio funcionamento. Quer isto dizer que em espaço de seminário desdobrámos etapas anteriores e posteriores às expectações projectando-as em direcção a um futuro, primeiro limitado pelo fim do próprio semestre, depois como matéria a gerir em outros contextos.
Em espaço de seminário dedicámos o nosso tempo a assuntos directamente relacionados com as saídas, mas também a elas alheias e que nos conduziram noutras direcções. Este talvez tenha sido o enriquecimento do nosso trabalho conjunto e que não se mede por uma qualquer circunstância nem se afina por caminhos em voga.
Exercitámos assim a nossa mente através de uma variedade de imagens que os nossos cérebros foram processando independentemente ou não da nossa própria vontade. Estivemos e continuamos a estar, graças às nossas próprias capacidades cognitivas, em processo de conhecimento saudável que nos interpela a cada momento.
Em obra que não estudámos A Estranha Ordem das Coisas – A Vida, os Sentimentos e as Culturas Humanas, António Damásio afirma:
«(…) os componentes individuais que contribuem para a perceção de um determinado momento no tempo podem ser experienciados enquanto um todo. A integração ocorre devido à ativação, em simultâneo e em sequência, de várias regiões [do cérebro] separadas. É quase como proceder à montagem de um filme selecionando imagens visuais e excertos de banda sonora, ordenando-os conforme necessário, mas sem nunca imprimir o resultado final. (…) Todas as imagens do mundo exterior são processadas de forma paralela às reações afetivas que produzem ao agir sobre outras partes do cérebro – sobre certos núcleos do tronco cerebral e sobre os córtices cerebrais que representam o estado do corpo, como por exemplo a região insular. Isso significa que o nosso cérebro se ocupa não só de mapear e integrar o que lhe chega de várias fontes sensoriais externas, mas também, simultaneamente, de mapear e integrar estados internos, um processo cujo resultado é, nada mais, nada menos, do que os sentimentos.» (Damásio, 2017: 129-130)
Falámos ainda na sessão ao ar livre de um conceito que é em si uma progressão e um continuum, um verdadeiro desafio para a humanidade, desde imemoriais tempos, através do qual se vislumbra equilíbrio e regulação da vida.
De novo com Damásio:
«O estado homeostático que «foi responsável pela emergência de estratégias e dispositivos comportamentais capazes de garantir a manutenção e o florescimento da vida (…) gerou os precursores do sentimento e da perspectiva subjectiva.» (Damásio, 2017: 232)
Por último, uma breve introdução ao filósofo Byung-Chul Han que vos falta conhecer.
Vídeo sobre e do autor Byung-Chul Han:
https://www.youtube.com/watch?v=cAiD2uyLcWM
Leitura aconselhada:
António Damásio, 2017, A Estranha Ordem das Coisas – A Vida, os Sentimentos e as Culturas Humanas, Lisboa: Temas e Debates / Círculo de Leitores.
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