Tela e palco como espaço de composição

11 Fevereiro 2019, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

FEVEREIRO                        2ª FEIRA                               3ª AULA

 

 

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Iniciámos a aula questionando aspectos presentes no ensaio Sobre a questão da forma de Kandinsky. Tanto este ensaio em estudo como o seguinte, Sobre Composição para Palco, bem como O Som Amarelo, uma composição para palco propriamente dita, correspondem aos contributos do pintor russo para o Almanaque O Cavaleiro Azul, publicado em 1912.

Optei por dar a ler o primeiro ensaio em português e o segundo em inglês. Em qualquer dos casos tivemos acesso aos conteúdos textuais em línguas que não foram as originais. Kandinsky escreveu em alemão e fez anotações em russo.

A publicação de O Cavaleiro Azul esteve seriamente ameaçada por o editor exigir garantias financeiras que nenhum dos artistas responsáveis pela edição – Kandinsky e Franz Marc - mas também August Macke, a quem se ficaram a dever muitos dos ensaios e escolha de imagens de carácter etnográfico, poderia assegurar. A publicação deu à estampa apenas porque o industrial alemão Bernhard Koehler resolveu dar a mão à arte de vanguarda que, em muitos casos, se matizava com arte bem ancestral.

Como tivemos oportunidade de ver de forma rápida, este volume contém mais de uma centena de imagens que configuram diversas culturas, períodos artísticos e diferentes opções plásticas. Ele destaca ainda catorze ensaios dedicados à expressão teórica nas artes e, de forma surpreendente, integra várias partituras e estudos musicais. Nesta última componente regista-se a presença de um conjunto de canções criadas por Arnold Schoenberg e pelos seus alunos Alban Berg e Anton von Weber.

Apesar de ter sido difícil a publicação da primeira edição, em 1914, a obre é reeditada.

O contributo criativo e reflexivo de Kandinsky para O Cavaleiro Azul, como antes referi, foi assinalado com três objectos: os dois ensaios em estudo e que foram alvo da vossa leitura e O Som Amarelo de que vimos em aula uma muito amadora versão, mas o único registo existente de Noite e O Som Amarelo estreado no CCB, a 23 de Janeiro de 2003 sob minha direcção.

Voltando ao Almanaque O Cavaleiro Azul convém referir que a sua criação teve como origem a exposição com o mesmo nome, realizada em Munique, em Dezembro de 1911 e que, essa sim, foi a primeira acção pública dos pintores Kandisnky, Marc, Macke, Jalewsky, Klee, Werefkin, entre outros, que tinham como denominador comum um tipo de criação artística que desse prioridade à relação entre a Natureza e o ser humano destacando como fundamento o domínio da experiência, vivências e sensações, a individualização de comportamentos que pudessem atribuir a cada obra um cunho absolutamente pessoal mas que fizesse ecoar ao mesmo tempo a sua dimensão universal. Desta perspectiva a «necessidade interior» a que Kandinsky tanto se reporta nos seus escritos teóricos parece ser o fundamento desta nova arte associada também à expressão de um diverso percurso histórico da compreensão da obra estética. Abstracto, concreto e figurativo não seriam apenas apanágio da visualidade mas também daquilo que, mostrando-se invisível, contribuía para o reconhecimento de outras representações artísticas. O caso da música, tão celebrada por Kandinsky, poderia alcançar um nível de experiência bastante singular, mesmo num domínio místico e transcendental.

O ensaio Sobre a questão da forma atribui ao pintor Henry Rousseau a qualidade de representante do «grande realismo» que Kandinsky via como a referência oposta ao tipo de pintura que defendia, i. e., como arte não naturalista. Apesar de tornar explícito o seu ponto de vista com esta exemplificação (imagem de quadro de Rousseau aparece na p. 152 de O Cavaleiro Azul justamente a acompanhar o ensaio), Kandinsky defende que «em princípio a questão da forma não existe» (nossa versão do ensaio em português. A sua noção de que o conteúdo de uma obra de arte existe independentemente do seu meio de expressão, e a sua apologia de que uma forma pode ser correcta do ponto de vista externo mas não adequada do ponto de vista interno, e vice-versa, tem consequências na exemplificação a que passamos a ter acesso a partir da p. 24 (nossa versão do ensaio) com a referência ao uso da letra, do travessão e da linha.

Deixamos de parte o entendimento teórico entre Kandinsky e Schoenberg, grandes defensores do Idealismo Alemão, por razões de economia temporal. Acresce, no entanto referir, que os dois artistas mantêm ligação apertada também na concepção de O Som Amarelo.

Referi que a Composição para Palco O Som Amarelo nunca foi representada em vida do autor, apesar de ter sido inicialmente prevista a sua estreia em alturas definidas: em 1914, em Munique, em Berlim, em 1922, e na Escola da Bauhaus, encenada por Oskar Schlemmer nos anos trinta. Talvez esta reacção possa ter a ver com a complexidade da obra e as suas características simbólicas, com a criação experimental do desenho de luz e maioritariamente com o minucioso guião, quase cinematográfico proposto por Kandinsky. Independentemente disso, talvez seja importante referir que na primeira tentativa de encenação a I Guerra Mundial estava à vista. Outras terão sido as razões que nos casos seguintes contrariaram o desejo de o artista russo ver representadas não só esta como as outras obras escritas para palco.

Acrescento ainda que na minha modesta posição, face ao conceito de Bühnenkomposition, advogo como tradução a expressão Composição para Palco. Expliquei em aula que a expressão composição cénica me parece demasiado vaga e geral para abranger aquilo que Kandinsky desenvolve no ensaio Sobre a Questão da Forma e que recupera no texto Sobre Composição para Palco. Em primeiro lugar existe uma deriva artística que procede da tela para palco. Cada quadro de O Som Amarelo exprime essa construção claramente defendida sob a perspectiva do género composição. Recordo o que li em aula a este propósito: «3. Expressões formadas de modo idêntico, mas que são elaboradas lentamente, foram reprimidas, examinadas e longamente trabalhadas, a partir dos primeiros esboços, de um modo quase pedante. Dou-lhes o nome de composições.» (Kandinsky: 1991: 123) É justame3nte esta metodologia que é aplicada à maior parte das Composições para Palco escritas por Kandinsky, nomeadamente a O Som Amarelo. Em segundo lugar, a referida «unidade interior» que provavelmente parte da dissimilitude externa entre os elementos constituintes da obra apresenta-se, na óptica de Kandinsky, qualificada como exemplo de arte «monumental» (associação de várias artes que não perdem a sua autonomia específica). Deste ponto de vista, Kandinsky cria diálogo com a concepção de Arte Total em Wagner que, segundo ele privilegia a música sobre as outras artes quando produz uma ópera.

 

Leituras recomendadas:

- KANDINSKY, Wassily Sobre a questão da forma in: W.K. 1998. Gramática da Criação, Lisboa: edições 70, pp. 13-37.

- KANDINSKY, Wassily On stage composition in: W.K. and Franz Marc  (Ed.), 1989. The Blaue Reiter Almanac. NewYork: A Da Capo, pp. 190-206.

- MENDES, Anabela (Org.) 2003. noite e o som amarelo, programa-livro do espectáculo homónimo, Lisboa: Centro Cultural de Belém/Lais de Guia.

 

Endereço electrónico informativo:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Der_Blaue_Reiter

 

Obra citada no sumário:

KANDINSKY, Wassily, 1991. Do Espiritual na Arte, tradução de Helena de Freitas, 2ª edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 123.

 

Nota breve:

Iniciámos o nosso seminário com 8 alunos, dos quais dois ainda não estavam inscritos. Actualmente esse número foi reduzido para três por circunstâncias que ultrapassam a nossa responsabilização no processo.

Prosseguiremos até ao fim do semestre com os três alunos inscritos acompanhados por quatro professores.

 

A 11 de Março propusemos que os alunos fizessem uma primeira apresentação do que pensam redigir como trabalho final. Esta tarefa pode ser útil para os alunos e para nós como forma de criar zonas de contacto que vão ao encontro dos vossos interesses, mesmo em matérias ainda não trabalhadas, como será o caso do estudo das unidades programáticas asseguradas pelo Prof. Sérgio Mascarenhas e pelo Prof. Alexandre Calado e por mim. Em breve disponibilizarei o dramatículo A Parede de Elfriede Jelinek para vossa leitura.

 

Gostaria de vos propor, no âmbito da primeira unidade programática, que redigissem até ao dia 11 de Março um texto de reflexão que considere os materiais disponibilizados de Kandinsky: os dois ensaios e a composição para palco O Som Amarelo. O programa-livro poderá ser de alguma utilidade. Espero receber cerca de 4.500 caracteres contando com espaços. Dado o exíguo tamanho do texto deverão criar uma ou duas questões às quais darão resposta.

Podem contar comigo para qualquer dúvida ou aspecto que pretendam esclarecer. Fá-lo-emos por e-mail.