III. Sobre Conceito e Objecto - 2

4 Março 2020, 18:00 António José Teiga Zilhão

Leitura, análise e discussão de  Sobre Conceito e Objecto (1892) de Gottlob Frege - 2

D. Crítica à posição defendida por Kerry de que, por um lado, a distinção entre conceito e objecto não seria ontologicamente irredutível, tendo apenas uma validade meramente contextual, e de que, por outro lado, o próprio Frege violaria o princípio da irredutibilidade (continuação):

iv) As marcas da objectualidade e da conceptualidade na língua: os termos para objectos viriam, no uso linguístico, acompanhados pelo artigo definido, enquanto que os termos para conceitos viriam, no uso linguístico, acompanhados pelo artigo indefinido - refutação da acusação de que a tese da irredutibilidade ontológica entre conceitos e objectos não estaria de acordo com o uso linguístico destas marcas. v) Análise de aparentes contra-exemplos à validade das mesmas (e.g., 'O Turco cercou Viena'; 'O Cavalo é um quadrúpede') e sua elucidação como meramente aparentes. vi) Distinção entre os casos de frases em que um conceito é predicado de um objecto e o caso de frases em que um conceito de primeira ordem cai sob um conceito de segunda ordem. vii) Nos casos de frases nas quais se afirma que um conceito de primeira ordem cai sob um conceito de segunda ordem, o conceito de primeira ordem mantém nas mesmas a sua natureza predicativa, apesar de, nelas, se estar a dizer algo acerca dele (como acontece no caso nas quantificações universais ou existenciais); ora, isto é precisamente o que não acontece no caso de frases do género 'O conceito tal e tal tem tal e tal propriedade', nas quais o termo 'O conceito tal e tal' ocorre no lugar do sujeito da predicação e a propriedade que dele se predica é uma propriedade de primeira ordem; viii) Nestas frases, o termo 'O conceito tal e tal' poderia ser substituído no âmbito da frase por um qualquer nome próprio (e.g., 'Júlio César'), sem que a frase perdesse sentido (tornando-se apenas falsa); já a substituição do termo 'O conceito tal e tal' por uma expressão conceptual no âmbito da mesma frase geraria um sem sentido; ix) Tipicamente, sem sentidos surgem quando se pretende predicar objectos de objectos, objectos de conceitos, conceitos de conceitos da mesma ordem, ou conceitos de ordens superiores de objectos; x) A importância da obediência ao princípio do contexto para a detecção da verdadeira estrutura de uma frase: algo só é um nome próprio ou um predicado no âmbito de um pensamento; neste sentido, há frases nas quais termos que habitualmente surgem como nomes próprios são, de facto, termos conceptuais (como é o caso, e.g., do termo 'Viena' nas frases seguintes: 'Só há uma Viena' ou 'Trieste não é nenhuma Viena'). xi) O conjunto de considerações anterior constituiria evidência de que o termo 'O conceito tal e tal', ao contrário do sustentado por Kerry, não referiria, de facto, um conceito, mas sim um objecto; logo, a tese da irredutibilidade ontológica conceito/objecto nunca seria realmente violada por Frege e, portanto, a posição de Kerry da dependência contextual dessa distinção ontológica seria não só falsa, como independente da posição proposta por Frege.