Aula não leccionada + Mensagem

5 Abril 2017, 16:00 Adriana Veríssimo Serrão

Caros Alunos

Aproveito este sumário para enviar o texto-base  das próximas aulas. Agradeço que imprimam e tragam para a aula.




 A VIRAGEM SUBJECTIVISTA DA ESTÉTICA

 

I. NA ORIENTAÇÃO EMPIRISTA

 

1. SENTIMENTO INDIVIDUAL E NORMA DO GOSTO EM DAVID HUME (Of the Standard of Taste, 1757).

Essays and Treatises on several subjects in two volumes, ed. T.H. Green & T.H. Grose Lon­don, vol. 1, 1877; The Philosophical Works, ed. T.H. Green & T.H. Grose, 4 vols., London, 1882-1886.

 

Gosto e sentimento

O gosto não é uma propriedade das coisas, existe unicamente no espírito de quem a con­­­templa, e cada espírito percebe uma beleza diferente. Uma pessoa pode mesmo per­­ce­ber deformidade aí onde outra é sensível à beleza; e cada indivíduo de­veria estar de acordo com o seu próprio sentimento (sentiment), sem pretender re­gular o dos outros. (Of the Stan­dard of Taste; Es­says and Treatises, 245).

 ... todo o sentimento (sentiment) é real (real) e não tem uma referência a não ser a ele mesmo, quer se te­nha ou não consciência disso. (Ibid., 244).

 

A delicadeza da imaginação

Uma causa óbvia de que muitos não sintam o justo (proper) sentimento da beleza é a falta dessa delicadeza da imaginação, que é requerida para dotar a sensibilidade (sen­­si­bility) dessas finas emoções. (Ibid., 249).

 

“os princípios gerais do gosto”

Sucede que, no meio de toda a variedade e caprichos do gosto, há certos prin­cípios gerais de aprovação e de cen­sura, cuja influência um olhar atento pode de­tec­tar em to­das as operações do espírito. (Ibid., 248).

Os princípios gerais do gosto são uniformes na natureza humana... (Ibid., 260).

Embora seja certo que beleza e deformidade, mais ainda que doce e amargo, não são qualidades nos objectos, mas pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou ex­­terno, deve reconhecer-se que há certas qualidades nos objectos que são dis­pos­tas (fitted) pela natureza a produzir estes sentimentos (feelings) particulares. (Ibid., 250).

 

O consenso dos críticos

Se bem que os princípios do gosto sejam universais e quase, senão inteiramente os mes­mos em todos os homens, todavia muito poucos homens estão qualificados pa­ra dar o seu juízo sobre uma obra de arte ou para estabelecer o seu próprio sen­ti­men­to como sendo o padrão da beleza. (Ibid., 257).

 

A norma (Standard) do gosto

... uma regra pela qual os sentimentos diversos dos homens possam ser re­con­ciliados ou pelo menos uma decisão, proposta, confirmando um sentimento ou con­de­nando outro. (Ibid., 244).

... um sentido (sense) forte, unido à delicadeza do sentimento, melhorado pelo exer­cí­cio (practice), aperfeiçoado pela comparação, e depurado de todo o pre­conceito, só ele pode conferir a um crítico este carácter apreciável; e o ve­re­dic­to conjunto de tais ho­mens [...] é a verdadeira norma do gosto e da beleza. (Ibid., 258).

 

 

2. SENTIMENTOS ESTÉTICOS E ANTROPOLOGIA EM EDMUND BURKE

A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beau­­­tiful (1757); ed. de David Womersley, com o título A Philosophical Enquiry into the Subli­me and Beautiful, London, Penguin, 2004 (contém a Introdução de 1759 "On Taste").

 

A afecção das paixões

Belo e  sublime são ambos ideias (ideas) provocadas por qualidades das coisas, têm nelas a causa efi­­ciente. O belo por qualidades como a pequenez, a variação gradual, a de­­­li­­­­ca­­­deza, a cor, a graça, a elegância; o sublime por qua­­li­da­des, tais a gran­­­dio­si­dade, a obs­­­­curidade, a vastidão, a infinitude.... Não resultam de um raciocínio, mas de uma afecção das paixões, sem inter­ven­ção de processos intelectuais.

Não é pela força de uma atenção e de um exame prolongado que julgamos belo um ob­jecto; a beleza não requer nenhuma assistência do nosso raciocínio (rea­soning); e mes­mo a vontade lhe é indiferente; a presença da beleza desperta tão efi­­­­­caz­­mente em nós um certo grau de amor quanto a aplicação do gelo ou do fogo pro­­­­­­­duz as ideias de ca­lor ou de frio. (A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beau­­tiful, Parte III, II).

 

... a beleza consiste [...] numa qualidade dos corpos que age mecanicamente sobre o espírito humano, mediante a intervenção dos sentidos. (Enquiry, Parte III, XII).

 

... o gosto (Taste) [...] não é uma ideia simples, mas uma ideia composta, em parte de uma per­cepção dos prazeres primários dos sentidos e dos prazeres secundários da ima­­­gi­na­ção, e em parte dos veredictos da faculdade do juízo, no que concerne às vá­­rias re­­­lações dessas duas espécies de prazeres e no que diz respeito às paixões hu­­­­manas, aos costumes e às acções dos homens. São esses os elementos cons­ti­tuin­tes do gosto e o fundamento de todos eles é o mesmo no espírito humano, pois co­mo os sentidos são as grandes fontes das nossas ideias e, por conseguinte, de to­­dos os nossos prazeres, a base intei­ra do gosto é comum a todos os homens e exis­te, portanto, um fundamento sólido para um raciocínio irrefutável sobre essas ma­té­rias. (Enquiry, Introdução).

 

A duplicidade dos prazeres e das paixões

Aconselha‑nos, pois, o bom senso que se deva distinguir mediante algum outro no­me duas coisas de naturezas tão diversas, como um prazer (pleasure) que é sim­ples e sem ne­­nhuma relação com outro sentimento, daquele prazer cuja existência é sem­pre relativa e estreitamente vin­culada à dor (pain). Seria muito es­tranho se esses sen­­­timentos (affections), tão diferentes nas suas causas e de efeitos tão dife­rentes, de­­vessem ser con­­fundidos porque o uso vulgar os colocou sob uma mesma de­no­mi­nação genérica. Sempre que tiver oportunidade de falar sobre es­­se tipo de pra­zer re­lati­vo, chamo‑o de deleite (delight). [...] Tal como em­pregarei a palavra de­leite pa­ra in­­dicar a sen­sação (sen­sation) que acompanha a eli­minação da dor ou do pe­rigo; por­­­­tanto, quando me referir ao prazer positivo cha­má‑lo‑ei, na maioria das ve­zes, sim­­­­plesmente de prazer (plea­sure). (Enquiry, Parte I, IV).

 

O sublime, analogon delicioso do medo

Tudo o que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo o que seja de alguma maneira terrível (terrible), ou relacionado com objectos ter­ríveis ou que opera de modo semelhante ao terror (terror) constitui fonte de su­blime, isto é, produz a mais forte emoção (emotion) que o espírito é capaz de sentir. (Enquiry, Parte I, VII).

 

A paixão a que o grandioso e sublime na natureza dão origem quando essas causas actuam de modo mais poderoso, é assombro (Astonishment); assombro consiste no es­tado da alma no qual todos os seus movimentos se encontra sus­pensos, com um certo grau de horror (horror). (Enquiry, Parte II, 1).

 

 

 

II. NA ORIENTAÇÃO RACIONALISTA

 

1. BAUMGARTEN: A EMANCIPAÇÃO DO PENSAMENTO SENSÍVEL

 

 Uma lógica do conhecimento sensitivo, Aesthetica (1750‑1758)

Sunt ergo nohta cognoscenda facultate superiore objectum logices, aisqhta episthmhV aisqhtikhV sive aesthetica. (Meditationes phi­losophicae de nonnulis ad poema per­ti­nen­bus (1735), §116).

Se os inteligíveis conhecidos pela faculdade su­perior são ob­jecto da lógica, os sensíveis são objecto da ciência estética ou es­tética.

 

AESTHETICA (theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ars pulchre cogi­tandi, ars ana­­logi rationis) est scientia cognitionis sensitivae. (Aesthetica, § 1).

A ESTÉTICA (teoria das ar­tes li­be­rais, gnosiologia inferior, arte de pensar com be­leza, arte do analogon da ra­zão) é a ciên­cia do conhecimento sensitivo.

 

Aesthetices fines est perfectio cognitionis sensitivae, qua talis. Haec autem est pul­chritudo. (Aesthetica, § 14).

A finalidade da Estética é a perfeição do conhecimento sen­sitivo en­quan­to tal. Ora es­ta é a be­leza.

 

 

 A sensibilidade como analogon rationis

 

Ad characterem felicis aestheticus generalem requiritur [...] Aesthetica naturalis connata [...], dispositio naturalis animae totius ad pulchre cogitandum, quacum nas­citur.

A característica geral do esteta feliz [...] deve compreender a estética natural inata [...], que é a disposição natural da alma inteira a pensar com beleza, disposição com a qual se nasce. (Aesthetica, §28).

 

 

 

III. KANT

A EXPERIÊNCIA SENSÍVEL E SENTIMENTAL DO MUNDO

A DESCOBERTA DA SUBJECTIVIDADE ESTÉTICA

 

A. Esclarecimento do conceito de estética

 

A crítica a Baumgarten (à Estética como ciência da sensibilidade)

 

Os alemães são os únicos que se servem actualmente da palavra estética para de­sig­nar o que outros denominam crítica do gosto. Esta denominação tem por fun­da­men­to uma esperança ma­lo­grada do excelente analista Baumgarten, que tentou sub­­­me­­ter a prin­cí­pios racionais a apreciação crítica do belo, elevando as suas re­gras à dig­ni­dade de uma ciência. Mas es­se esforço foi vão. Tais regras ou cri­térios, com efeito, são ape­nas empíri­cos quanto às suas fontes (principais) e nunca po­dem ser­­vir co­mo leis de­­­ter­minadas a priori pelas quais o nosso juízo de gosto se de­ves­se guiar; é antes este último que consti­tui a ge­nuí­na pedra de toque da exac­tidão das regras. (KrV A31).

 

“estética” na Crítica da Razão Pura, 1781

 

A capacidade (Fähigkeit) de receber (receptividade) representações graças à maneira como somos afectados pelos objectos chama‑se sensibilidade. (KrV, A 19).

Designo por estética transcendental uma ciência de todos os princípios da sen­si­bi­li­dade a priori. Tem de haver, pois, uma tal ciência, que constitui a primeira parte da teo­­­­­ria trans­cendental dos elementos, em contraposição à que contém os prin­cí­pios do co­­­­­­­­nhe­cimento puro e que se denominará lógica transcendental. (KrV, A 21; B 35‑36).

 

“estética” na Crítica da Fa­cul­dade do Juízo, 1790

 

... compreendemos pelo termo sensação uma representação objectiva dos sen­­­tidos; e para não corrermos sempre o risco de sermos mal compreendidos, de­sig­na­remos pelo termo, aliás já comum, de sentimento aquilo que tem de per­ma­ne­cer sem­pre me­ra­­mente sub­jectivo e não pode de modo algum constituir uma re­pre­sen­­­­ta­ção de um ob­­jecto. ( KU, §3).

 

À crítica deste poder relativamente à primeira espécie de juízos [estéticos] não cha­­­­ma­­remos Estética (como que: teoria dos sentidos), mas crítica da faculdade de jul­gar es­té­­tica .... (KU, Primeira Introdução, XI).

 

 

B. Uma analítica do juízo de gosto puro / a estrutura da Analítica do Belo

 

 

O modo estético do sentimento

O sentimento é o “modo como o sujeito se sente afectado pela repre­sen­tação” (§1).

 

Aliança (síntese) entre sentimento e juízo

Para distinguir se algo é belo ou não, nós não referimos a representação ao ob­jecto por meio do entendimento, tendo em vista o conhecimento, mas referimo‑la por meio da ima­gi­nação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao sen­timento de pra­­­zer e des­­­­­prazer deste. O juízo de gosto não é, portanto, um juízo de co­­nhe­ci­mento; por con­se­­quência, não é lógico, mas estético, pelo qual entendemos aquilo cu­jo fun­da­mento de de­ter­mi­na­ção não pode ser senão sub­jectivo. (KU, §1).

 

Faculdade de julgar e sentimento no sistema das faculdades (Introdução, IX).

 

 

Conjunto das facul­da­des do ânimo

Faculdades de

co­nhecer

Princípios

a priori

Aplicação a

Faculdade de conhecer

Entendimento

Conformidade a leis

Natureza

Sentimento de prazer e desprazer

Faculdade de julgar

Conformidade a fins

Arte

Faculdade de desejar

Razão

Fim final

Liberdade

 

- Distinção entre juízo determinante e reflexionante (Introdução IV)

 

- Liberdade e desinteresse / O momento da qualidade: distinção de belo, agradável, bom e útil:

 

Vê‑se facilmente que para dizer belo um objecto […] o que importa é o que eu descubro em mim em relação a essa representação e não aquilo pelo qual dependo da existência do objecto. (KU, §3).

- Uma fenomenologia da experiência estética:  Contemplação, prazer e juízo (reflexionante).

 

A forma como condição do objecto.

 

 

 

Leitura fundamental

 

Leonel Ribeiro dos Santos, “A Concepção Kantiana Da Experiência Estética: Novidades, Tensões E Equilíbrios”, in Idem, Regresso a Kant. Ética, Estética, Filosofia Política. Lisboa: INCM, 2012, pp.301-348.

 

Outras leituras

 

Leonel Ribeiro dos Santos, A razão sensível. Estudos kantianos. Lisboa, Colibri, 1994 (“O es­­­­tatuto da sensibilidade no pensamento kantiano”; “Lógica e poética do pensamento sensível; “Sen­timento do sublime e vivência moral”).

— "Kant e o regresso à Natureza como paradigma estético", in Cristina Beckert (coord.), Natureza e Ambiente. Representações na cultura portuguesa. Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2001.

— "Kant e a ideia de uma poética da natureza", Philosophica 29 (2007), 19-33.

 

Adriana V. Serrão, A razão estética. O conceito de alargamento do pensar na Crítica da Faculdade de Julgar de Kant (diss. Mestrado, FLUL), 1985.

Pensar a Sensibilidade: Baumgarten – Kant – Feuerbach, Lisboa, Centro de Filosofia da UL, 2007.

Manuel José do Carmo Ferreira, "O prazer como expressão do absoluto em Kant. No 2.º cen­te­nário da Crítica do Juízo", in Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem ao Prof. Doutor Fran­cis­co da Gama Caeiro, Ed. Colibri/ Dep. Filosofia da FLUL, 1993, 391‑402.