II. A Semântica como Filosofia Primeira. A - O Dualismo Semântico - 2

9 Novembro 2020, 12:30 António José Teiga Zilhão

A Investigação fregeana em torno dos fundamentos da aritmética como uma investigação em torno do sentido dos juízos numéricos - 2.

2. Resposta de Frege à questão 'O que é o número?'

2.1. Razão pela qual, apesar de defender que juízos numéricos são juízos nos quais conceitos de ordem inferior saturam conceitos de ordem superior, Frege defende que, todavia, os números, considerados em si mesmos, são objectos e não conceitos de qualquer ordem: não é possível desenvolver minimamente a teoria dos números sem se considerar que as propriedades que ela atribui aos números são propriedades de objectos. 
2.2. Deste modo, os conceitos compostos de segunda ordem envolvidos num juízo numérico conteriam uma referência implícita a números na sua definição, mas não seriam, eles próprios, os números.
2.3. Distinção fregeana entre os termos 'objectivo' e 'real': os números, tal como o equador, o eixo da Terra, ou o centro de gravidade do sistema solar, seriam objectos objectivos apesar de não serem reais (i.e., físicos).
2.4. Que são então os números? 
2.4.1. Para poder responder à questão 'O que é o número?' Frege defende que é necessário partir-se da elucidação do sentido dos juízos de identidade numérica, i.e., de juízos do tipo 'O número que vem para o conceito F é o mesmo que o número que vem para o conceito G'. Por outras palavras, é necessário determinar os critérios de identidade subjacentes aos juízos de atribuição numérica. 
2.4.2. Frege defende ainda que a elucidação do sentido dos juízos de identidade numérica deve fazer-se por analogia com a elucidação do sentido de juízos de identidade entre direcções de rectas; neste último caso, diz-se que a direcção de uma recta a é igual à direcção de uma recta b se, e somente se, a e b forem rectas paralelas; nestas circunstâncias, a direcção da recta a pode ser definida como a extensão do conceito 'recta paralela à recta a'.  
2.4.3. De modo análogo, Frege defende que pode dizer-se com verdade que 'o número que vem para o conceito F é o mesmo que o número que vem para o conceito G' se, e somente se, for possível determinar uma relação entre os Fs e os Gs que seja tal que a mesma tenha a propriedade da biunivocidade (ou correspondência 1-1); se esse for o caso, define-se então do seguinte modo um conceito relacional (de ordem superior) entre conceitos, ao qual Frege chama 'equinumericidade': são equinuméricos entre si aqueles conceitos cujas extensões são susceptíveis de ser colocadas umas com as outras numa relação biunívoca. O 'número que vem para o conceito X' pode então ser finalmente definido como aquela classe (extensão de conceito) cujos elementos seriam as classes (extensões de conceitos) determinadas por todos aqueles conceitos que satisfariam o conceito relacional de ordem superior 'ser equinumérico a' a respeito do conceito X e apenas esses.  
2.4.4. Segundo a ontologia de Frege, classes, ou extensões de conceitos, incluindo, nestas, classes cujos elementos são eles próprios classes, são objectos e não conceitos. Deste modo, e de acordo com os preceitos da ontologia fregeana, números seriam então objectos e não conceitos.