Pagãos vs. Cristãos: incompreensões, confrontos, adptações e pseudomorfose. O futuro da antiguidade.

4 Abril 2022, 11:00 Rodrigo Furtado

1.     Cristianismo e cultura clássica: Christianus non Ciceronianus?

 

Jerónimo, Epístola XXII a Eustóqiuo, 30: ‘Há já muitos anos, embora tivesse, por causa do Reino dos Céus, cortado todas as relações com a minha casa, os meus pais, irmã, parentes e, o que é mais penoso do que isto, com o hábito dos lautos banquetes [...], não podia passar sem a biblioteca que coligira para mim, em Roma, com grande zelo e trabalho. Assim eu, infeliz, antes de ler Cícero, jejuava. Depois das ininterruptas vigílias nocturnas [...], tomava Plauto nas minhas mãos. Se porventura, caindo em mim, começava a ler um profeta, a linguagem rude horrorizava-me [...].

Quase a meio da Quaresma, uma febre, infundida nas minhas entranhas mais recônditas, invadiu o meu corpo esgotado e, sem qualquer descanso [...], devorou os meus infelizes membros ao ponto de eu mal permanecer preso aos meus ossos. [...] De repente, arrebatado em espírito, sou arrastado até ao tribunal do Juiz, onde era tanta a luz e tanto o brilho oriundos do esplendor dos que se encontravam de pé ao meu redor, que, lançado por terra, não ousava olhar para cima. Interrogado acerca da minha condição, respondi que era Cristão. Mas aquele que presidia disse: «Mentes. És Ciceroniano, não Cristão; «onde estiver o teu tesouro, aí está também o teu coração» [Mat. 6, 21].

                  Calei-me de imediato e, entre vergastadas – efectivamente, tinha ordenado que eu fosse flagelado – era ainda mais torturado pelo fogo da minha consciência, reflectindo para comigo naquele versículo, ‘no inferno porém, quem te louvará?’ [Ps. 6, 6b]. Comecei então a gritar e a dizer entre lamentos: ‘Tem piedade de mim, Senhor, tem piedade de mim’ [Ps. 56, 2]. [...] Fui libertado, voltei à superfície e, perante a admiração de todos, abro os olhos, inundados por uma tamanha chuva de lágrimas que convenciam da minha dor os incrédulos. [...] A partir de então li os livros divinos com um empenho maior do que aquele com que antes tinha lido os livros dos mortais.

 

2.     A relação entre cristãos e pagãos : um problema.

a.      Cristãos e a antipatia pagã:

                                               i.     A recusa da Pax deorum;

                                              ii.     A recusa da paticipação nas liturgias cívicas;

                                             iii.     A superstitio e a religio.

                                             iv.     A ‘ilegalidade’ do culto e os bodes expiatórios.

                                              v.     Os sincretismos das religiões cívicas/romanas.

                                             vi.     O culto imperial.

                                           vii.     O monoteísmo filosófico e o monoteísmo solar de Aureliano e Constâncio I.

b.     As « perseguições »: Décio (251) e Diocleciano (303-305)/Galério (305-311).

                                               i.     A obrigação de prestar culto aos deuses da cidade: o papel dos sacrifícios públicos pela manutenção do império; a recusa cristã como um acto de desobediência.

                                              ii.     A ameaça da estabilidade do império: a lógica da interpretação pagã ainda nos séculos II-III – culto aos deuses = prosperidade do império; recusa do culto = destruição do império.

                                             iii.     Como? Confisco de bens; prisão; morte.

                                             iv.     A perseguição a um número elevado de ‘seitas’.

 

3.     Constantino: um homem entre dois mundos.

                                               i.     a manutenção dos rios cívicos;

                                              ii.     os templos da deusa Tiquê (Thychê) e dos Dióscuros em Constantinopla;

                                             iii.     Roma: uma cidade pagã. O contraste com Milão ou Constantinopla.

 

4.     A violência anti-cristã no século IV.

                                               i.     O caso do Serapeum de Alexandria.

                                              ii.     “[Ao longo do século IV], na Trácia, um cristão foi queimado vivo pelo governador da província. Na Síria, a tortura de um bispo incluiu ser espetado pelos estiletes dos estudantes. Se forem verdade, estes foram factos terríveis, mas seria enganador tomá-los pelo seu valor facial ou vê-los como representativos do modo como pagãos e cristãos interagiram neste período” (J. Maxwell, 2012, ‘Paganism and christianization’, The Oxford handbook of Late Antiquity, Oxford.).

                                             iii.     O principado de Juliano (361-363): o imperador-filósofo e o apoio aos cultos pagãos.

1.     A proibição de os cristaos serem professores do trívio;

2.     Restitutor libertatis et Romanae religionis

 

5.     A violência entre cristãos.

                                               i.     O conflito em 366 entre Dâmaso e Ursino: o assalto à basílica Júlia e o massacre de 139 pessoas na basílica de Sicinino.

                                              ii.     A multiplicação de heresias: arianismo, montanismo (com várias divisões internas), novacianismo, plagianismo, nestorianismo, monofisismo, miafisismo, etc, etc.

                                             iii.     Os concílios e os exércitos episcopais em Éfeso (431 e 449) e Calcedónia (451).

                                             iv.     A rivalidade com os maniqueus: o dualismo maniqueísta e a sua origem no mazdaísmo persa.