As invasões germânicas: migrações, etnogénese, refugiados e integrações. Medo, destruição e adaptação.
23 Abril 2018, 14:00 • Rodrigo Furtado
I
FACTA
1. Os acontecimentos:
a. A guerra no Danúbio, no Reno e dentro do Império;
b. As ‘invasões’ godas (376-418)
c. A travessia do Reno no final de 406.
d. O abandono da Britânia (410);
e. os Visigodos na Aquitânia: federados às ordens do Império;
f. a ‘confusão’ hispânica: Vândalos, Suevos e a intervenções dos Visigodos às ordens do Império;
g. a instabilidade a norte do Loire: Francos; Egídio (Soissons); Arbogasto (Trier); Riotamo (Loire);
h. os estabelecimentos a sul do Loire: Visigodos e Burgúndios (442-3);
i. as incursões dos Hunos nos Balcãs e na Gália e a batalha dos Campos Cataláunicos (451) e a invasão da Gália Cisalpina (452); a morte de Átila (453);
j. a perda de Cartago (439);
2. Factos arqueológicos (s. V-VI):
a. ausência de destruições massivas; ausência de migrações monolíticas e massivas; ausência de decadência drástica e rápida;
b. simplificação económica: s. V (Norte do Loire); s. VI (sul da Europa);
c. menor especialização da produção artesanal entre os s. V-VI;
d. regresso a estruturas económicas de subsistência ou de produção regional;
e. menor comércio a longa distância; o mercado de luxo mantem-se de forma muito limitada;
f. grandes diferenças nas elites: em gerais mais pobres; desaparece a rica aristocracia senatorial (s. VI);
g. simplificação das estruturas urbanas (abandono e atrofiamento):
O caso de Roma.
a. ca. 1 d.C.: 1 milhão de habitantes;
b.ca. 300 d.C.: 600 mil habitantes;
c. ca. 420 d.C.: 300 mil habitantes;
d.ca. 600 d.C.: 150 mil habitantes;
e. ca. 800 d.C.: 30 mil habitantes.
h. diferenças regionais:
- Norte da Gália: encolhimento das cidades/desaparecimento das uillae; produção/distribuição mantém-se regional, como sempre tinha sido;
-Hispânia: interior simplifica-se no s. V; a costa do Mediterrâneo só a partir de 550;
- Itália: impacto no s. VI, mas mantém comércio e vida urbana;
- África: exportações diminuem após 450; mas mantêm estruturas e cidades até s. VII;
3. Não há Império Romano no Ocidente ca. 500;
4. Existem “n” regnano Ocidente ca.500: não se apresentam como Romanos; mesmo quando imitam Roma, não são Roma;
5. A Literatura:
a. ideia de decadência;
b. relatos de saque e de destruição;
c. sempre escrita por Romanos: os Bárbaros são sempre o outro;
d. O encolhimento da perspectiva: o caso de Hidácio de Chaves (ca. 469); Victor de Vita (ca. 484); e de Avito de Vienne (ca. 518);
II
E CONTUDO:
6. Fenómeno de longo prazo, com raízes anteriores:
a. Longo convívio proporcionado pelos rios;
b. Frequentes combates/invasões/migrações (e.g. s. II, s. III, s. IV);
c. Estabelecimento frequente de populações dentro do Império, que normalmente acabavam integradas com o tempo: sobretudo na Mésia, Panónia, Nórico, Récia e no Norte da Gália.
d. Particularidades e autonomias regionais sempre existiram: as aristocracias de decuriões; as carreiras das aristocracias locais: entre a sua cidade e o Império;
e. Aristocracias romanas eram desmilitarizadas.
f. A fraqueza do trono imperial: enfraquecimento do trono imperial era congénito da própria existência do Império:
- Nove usurpações no século IV: ‘the true “killing fields” of the fourth century were not along the frontiers. They were in northern Italy and the Balkans, where sanguinary battles were regularly fought between rival emperors’ (Brent Shaw).
- Século V: usurpações e ‘invasões’ quase sempre relacionadas (entre 406-414, houve oito ‘usurpadores’ no Ocidente): usurpadores que usam forças bárbaras; forças bárbaras que aproveitam a fraqueza causada pelas usurpações;
- Arcádio (395-408) e Honório (395-423); os sucessores: Teodósio II (408-450); Valentiniano III (425-455);
- No Ocidente, o papel dos magistri militum: Estilicão (magister militum;casado com uma sobrinha de Teodósio I; 395-408); Constâncio (III) (mag. mil., casado com Gala Placídia; 411-421); Aécio (mag. mil. 433-454);
- imperadores sucedem-se: Majoriano (457-461); Líbio Severo (461-5); Antémio (467-472); Olíbrio (472); Glicério (473-4); Júlio Nepote (474-480); Rómulo Augústulo (475-6);
- o papel do suevo Ricimero (mag. mil. 457-472); do burgúndio Gundobaldo (472-474), de Odoacro (476-493) e de Teodorico (489-526); a continuidade;
g. continuidade entre as lideranças imperiais e ‘bárbaras’: Estilicão (Vândalo); Constâncio III (Dácio); Écio (Cita); Ricimero (Suevo); Aspar (Alano); Gundobaldo (Burgúndio); Zenão (Isáurio); Odoacro (Esciro); Teodorico (Ostrogodo).
h. É o nosso preconceito que os vê como necessariamente diferentes: e.g. Maximino Trácio; os imperadores da Ilíria; Leão I (Dácio); Orestes (Panónio).
7. Os Bárbaros:
a. ausência de destruições massivas; ausência de migrações monolíticas e massivas; ausência de decadência drástica e rápida;
b. Etnogénese (Herwig Wolfram): são os próprios Romanos que impedem inicialmente identificação plena com Roma;
8. Literatura Antiga: muito marcada pela ideia de decadência e, na Antiguidade tardia, pela espera da Parúsia; muitas vezes, são meros topoiliterários.
III
CONSEQUÊNCIAS
9. Fim do Império como estrutura de administração polítca, fiscal e militar central;
10. Atrofiamento do mundo urbano: a riqueza está cada vez mais ligada à posse de terra e não ao desempenho da vida cívica/política;
a. a irrelevância da vida política;
b. a perda de importância das cidades: na esfera episcopal, mas sem outros dividendos políticos para as elites;
11. Encolher o ‘estado’:
a. menor necessidade de impostos por parte dos regna;
b. menor desenvolvimento económico que responda à necessidade de mais impostos;
c. territorialização do exército; posse de terra torna-se a maior fonte de rendimentos do regnum;
Governantes: retiram riqueza e rendimentos de propriedades próprias, que controlam directamente; oferecem terra aos seus próximos em troca de apoio politico e military;
- Na África vândala: decai a recolha de impostos e obriga Justiniano a reorganizar o sistema com imensa impopularidade;
- Na Gália: ca. 600 – 1/3 dos impostos de cem anos antes;
- Menos impostos – implica (e resulta de) um menor conhecimento e controlo do território;
- Menos impostos – implica administração mais leve;
12. As novas aristocracias:
a. A derrota da Central Romanness e a vitória de uma/várias Local Romannesses(e não do ‘barbarismo’): o triunfo da provincialização do império vs. Incapacidade de manter o ideal de império em face dos localismos;
- a provincialização do Ocidente: a vida de Sidónio Apolinar – de perfeito da Cidade a bispo de Clermont-Ferrand; qual o sítio melhor para desempenhar cargos políticos?
- parecer Romanos e permanecer Bárbaros: forjar origens: bíblicas, romanas, míticas, germânicas; orais, literárias – formas de distinção política – distinções físicas; ‘não há nada de errado em afinal não sermos Romanos’ (P. Brown).
- identidades germânicas?
- pouco há em comum entre os Godos de 375 e os de 700;
- maior parte das leis são romanas;
- o que antes se considera metalurgia bárbara tem antecedentes romanos;
- ajustamentos dos novos reis na nova ideologia: as moedas de Réquila; o panegírico de Teodorico II;
- pequeno impacte demográfico (100 mil homens em armas: Godos; Vândalos; 25 mil: Suevos).
b. Igreja: e.g. Isidoro e os irmãos; Gregório de Tours: sete bispos em 4 gerações;
c. Guerra: militarização das elites;
d. a menor importância de saber Vergílio de cor: perde carácter de distinção. Serve para quê?
e. a educação romana permanece ligada à Igreja; tinha existido para marcar as elites Romanas como distintas e especiais, como marca de classe: a mudança da identidade da elite, mais ligada à guerra que à política e à cidade: perde importância a cultura.
13. Novos caminhos:
a. alterações climáticas;
b. peste (543-750)