Portugal-Espanha, segundo Francisco da Cunha Leão
25 Março 2020, 14:00 • Ernesto José Rodrigues
Tais características da nossa ‘personalidade cultural’ são mais precisas, quiçá, do que as entrevistas em Jorge Dias (21985), já menos encantado do que Francisco da Cunha Leão (21973). Vejamos este, primeiro, sem entrar no nada operativo «esboço de corografia espiritual», em que filtra cada região do país (cap. IX).
Sendo o Português «síntese de lusitano e galaico, um luso-galego e só metaforicamente lusitano», extrai, daquele, «A idealidade sonhadora, a contextura sentimental branda, mas rica em tonalidades e teimosia surda, o fundo instável de inquietação, a mundi-visão saudosa, o pathos da alma portuguesa»; e, deste, «o espírito realista, de organização jurídica e independência pessoal, o talento político, a afirmação intrépida» (p. 114). Bom era que esta segunda parte se confirmasse… Após recurso a Oliveira Martins, Moniz Barreto, António Sardinha, João de Castro Osório e Jorge Dias, o capítulo oitavo, “A diferenciação psicológica” (em relação a Castela), motiva um ‘quadro comparativo’ (p. 142-143) em 11 pontos e respectivo ‘desenvolvimento dos modos de comportamento’ (p. 144-187). Estes ‘modos’ lusíadas seriam (p. 143):
1. Religiosidade mediata, através da natureza e da Saudade, e pelo amor às criaturas. Franciscanismo.
2. Homem como estado de alma. Tendência para o sonho. Desigualdade temperamental; ledícia e dor de viver.
3. Sensibilidade à natureza vista animadamente, e ao mistério. Naturalismo transcendente e saudosista.
4. Vida-afirmação pelo sentimento e assimilação humana. Gosto da aventura. Espírito de missão.
5. Amor-adoração. Supervivência amorosa. Carácter absorvente, complexo. Insegurança, queixa, transcendência.
6. Ironia sentimental. Agudeza ao ridículo. Realismo emotivo e crítico.
7. Solidariedade pela comunhão dos afectos e transmissão do sangue. Coesão pela Saudade.
8. Resistência à adversidade pela esperança e crença nos imponderáveis. Sebastianismo. Desespero confinadamente individual.
9. Sentido das cambiantes e das sombras. Hesitação alternada com o ímpeto e heroísmo das execuções supremas, geralmente ponderadas, amadurecidas.
10. Interesse pelo exótico.
11. Teimosia surda, aquosa. Plasticidade. Antinomias profundas.
Nem místico, nem militante religioso (daí, algum anticlericalismo), o Português entra no sobrenatural por um «maravilhoso naturalista» reflectido em «maravilhoso cristão» (p. 145), e por segunda intermediação, a saudade, provinda «da distância a que o homem se sente de Deus», em «angústia pela degradação humana, pelo paraíso perdido» (p. 144). Esta angústia parece excessiva, pois releva da emoção, de uma sentimentalidade que se pendura no sonho, no «desejo absurdo de sofrer» (Cesário Verde; cursivo meu). Se pungente, é-o na expressão literária, desde as interjectivas «Ai, eu, coitada» ao casamento entre mágoa e ironia, que leva Unamuno a ver-nos como um povo «que no sabe sino llorar o burlarse» (p. 153), longe, portanto, de quaisquer «antinomias profundas» e de um conceito sério de angústia.