Fenícios em Portugal: os sítios e os materiais

17 Outubro 2019, 10:00 Ana Margarida Costa Arruda dos Santos Gonçalves

A natureza dos lugares ditos orientalizantes, e a função que terão desempenhado num processo que se traduziu na exploração de recursos locais, não devem ser esquecidas, e o carácter exógeno de Abul é, hoje, inquestionável. A planta, as características dos aspectos construtivos e os materiais arqueológicos recuperados, para além, naturalmente, da própria implantação topográfica, não deixam qualquer dúvida sobre a origem dos construtores. Mas a sua funcionalidade é mais discutível e o plano arquitectónico, a existência de um altar, e as suas reduzidas dimensões, permitem pensar que se trata de um edifício religioso e não de uma feitoria, como foi proposto. 

 

Uma origem exógena pode ser igualmente defendida para Santa Olaia, ainda que, neste caso, os dados que sustentam esta proposta sejam mais escassos. Boa parte dos trabalhos de campo foi realizada nos inícios do século passado, e os mais recentes encontram-se, praticamente na totalidade, por publicar. Mas a descrição que Santos Rocha faz dos processos construtivos, o facto de se tratar de uma fundação ex novo e a implantação numa pequena ilha no meio do estuário são argumentos que pesam no momento de defender esta possibilidade. Depois, e à semelhança de Abul, o sítio é abandonado no final do século VI ou inícios do V a.n.e.

 

Conímbriga, no estuário do Mondego, Santarém, Lisboa e Almaraz, no estuário do Tejo, e Alcácer do Sal e Setúbal, no estuário do Sado, são, pelo contrário, vastos povoados, e na maior parte deles está comprovada uma ocupação do Bronze Final. Esta ocupação anterior, sempre mal definida arquitectonicamente, tem sido o argumento mais esgrimido na defesa do carácter autóctone destes sítios.

 

A presença de populações orientais no litoral, instaladas quer em sítios de características coloniais quer em bairros construídos no interior de povoados indígenas, contribuiu para a alteração dos modelos económicos, culturais e sociais pré-existentes. A adopção de novos hábitos de consumo, de novas tecnologias e de novos rituais funerários que esta presença implicou generaliza-se em grandes áreas do território do centro e do sul, que se vai «orientalizando» progressivamente. 

 

As influências orientais chegam ao interior, concretamente ao Alentejo, em momento um pouco mais tardio, mas parece claro que a rede de povoamento constituída por pequenos sítios de habitat, ou casais agrícolas, e respectivas necrópoles, conhecida na região de Ourique desde os anos 70 do século XX, e em Castro Verde, que pode datar-se do século VI a.n.e., não corresponde ao momento da chegada das influências mediterrâneas. Essas influências puderam ser rastreadas no Concelho do Redondo, em momento localizado na segunda metade do século VII, mas em sítio de características distintas dos «casais agrícolas», casais esses que agora se estendem também ao Alentejo Central. 

 

As necrópoles litorais, concretamente a do Senhor dos Mártires, em Alcácer do Sal, e a do Convento da Senhora da Graça em Tavira são ainda abordadas neste ponto, registando-se os rituais e a arquitectura funerária que são confrontados com os que foram identificados no interior alentejano, bem como com os que estão documentados nas áreas meridionais da Andaluzia, que foram também tocadas pela colonização fenícia.

  

Muito importante é, sem dúvida, a questão do uso da escrita, quer a que se designa por «do Sudoeste», quer pelos testemunhos de ostraca em Abul e Tavira. A estela funerária de Lisboa e o grafito também identificado na cidade merecem destaque.