Fenícios em Portugal: Contexto geral, geografia e cronologias
14 Outubro 2019, 10:00 • Ana Margarida Costa Arruda dos Santos Gonçalves
A presença fenícia em Portugal foi identificada já no século XIX, mas foi no decorrer dos anos 80 do século passado que o estudo sobre a chegada de populações orientais ao território actualmente português se desenvolveu consideravelmente.
As escavações e as descobertas de materiais mediterrâneos quase triplicaram a partir de 1980, sendo hoje abundantes e variados os espólios e os vestígios arquitectónicos que podem ser estudados no contexto da Idade do Ferro do centro e do sul de Portugal. A tipologia e a cronologia da cerâmica, a arquitectura doméstica e funerária, as datações de 14C e, mesmo, a topografia dos sítios são elementos que servem para compreender as motivações das viagens de fenícios ao Extremo Ocidente.
A repartição geográfica dos sítios arqueológicos onde a presença fenícia foi detectada evidencia o carácter eminentemente litoral do fenómeno da colonização em geral.
O carácter indígena da maior parte dos sítios onde as presenças orientalizantes foram detectadas foi acentuado. Conímbriga, no Mondego, Almaraz, Lisboa e Santarém, no Tejo, Alcácer do Sal e Setúbal, no Sado, e Castro Marim e Tavira no Algarve oriental são sítios onde a ocupação remonta pelo menos ao Bronze final e nos inícios da Idade do Ferro as cerâmicas orientais são ainda percentualmente insignificantes. Somente Abul (no estuário do Sado) e Santa Olaia (na foz do Mondego) parecem corresponder a fundações fenícias.
O primeiro conjunto inclui sítios de altura (Conímbriga, Santarém, Almaraz, Alcácer do Sal, Castro Marim, Tavira, Lisboa e Setúbal), bem visíveis na paisagem, com boas condições naturais de defesa e controlando grandes porções do território. Quase todos estão localizados em posições elevadas, dominando o curso dos rios, o que lhes permitia controlar o tráfego fluvial, e em alguns casos, as chegadas por via marítima. Os dados disponíveis confirmam que anteriormente aos estabelecimentos fundados ex nihilo, os fenícios frequentavam a costa portuguesa e tinham já contactos com os fenícios ocidentais. Mas é possível admitir que nesses sítios indígenas existiam bairros fenícios.
Não são apenas as tipologias cerâmicas que suportam as propostas cronológicas, mas existem também sequências radiocarbónicas que possibilitam admitir uma data em torno ao século VIII a.n.e. para os contactos iniciais.
Os sítios de Abul e de Santa Olaia são fundados de raiz já no decorrer do século VII a.n.e.
Foram os dados que a radiometria proporcionou, associados a alguns materiais recolhidos em contextos seguros, que permitiram verificar que o estuário do Tejo foi a área mais precocemente visitada pelas populações orientais, o que mostra que o percurso dos navegadores fenícios não foi linear para montante, e que houve, logo de início, uma determinação em chegar a determinadas áreas, neste caso às localizadas no centro da fachada ocidental peninsular hoje portuguesa.
O estuário do Tejo representa, aliás, uma área de grande densidade de povoamento orientalizante, materializada, num primeiro momento, pela ocupação de um sítio localizado no limite nordeste do estuário – Santarém.
Tudo indica, também, que a região assiste a um processo de colonização interna a partir do século VI a.n.e. Mas, durante os séculos VII e VI a.n.e., Santarém permanece fortemente orientalizada e sítios como Lisboa e Almaraz, localizados na foz do estuário, estão já ocupados.