Constituição Material (1)

22 Outubro 2020, 08:00 Ricardo Santos

O paradoxo da constituição material: duas premissas extremamente plausíveis (Criação: a escultora cria a estátua; Sobrevivência: a escultora não destrói o pedaço de barro) implicam uma conclusão chocante (Coabitação: há dois objectos no mesmo lugar). Porque é que o pedaço de barro e a estátua são dois objectos diferentes. Primeira opção: negar a Criação. A escultora não cria matéria nova, apenas dá nova forma a matéria pré-existente. Os únicos objectos existentes são pedaços (porções, quantidades) de matéria. Um objecto material é definido pela matéria de que é feito. Essencialismo mereológico: todas as partes de um objecto material lhe pertencem essencialmente (inspirado em Heraclito, é solução radical para o problema do barco de Teseu). Consequência indesejável: quando um carro é esmagado, desmontado e vendido para peças não deixa de existir; Sócrates ainda hoje existe; cada um de nós já existia no tempo de Sócrates. Segunda opção: negar a Sobrevivência. O pedaço de barro cessa de existir e dá lugar à estátua. Teoria da substituição. Um objecto é feito de certas partículas de matéria. Consoante o modo como um grupo de partículas está disposto, estas constituirão um objecto de determinada categoria. As partículas só podem constituir um objecto de cada vez. Vantagem: as estátuas deixam de existir quando são esmagadas, os cubos de gelo quando derretem, as pessoas quando morrem. Consequências indesejáveis: a resposta a “Que coisas existem?” carece de objectividade, dado que sujeitos com esquemas conceptuais diferentes classificam a realidade de maneiras diferentes. Terráqueos e marcianos; os conceitos de pedacex e pedacin. Que objecto tenho na mão: uma estátua ou um pedacin? As respostas não podem ser ambas correctas, pois só há um objecto em cada lugar. A escolha da categoria estátua é suspeita de antropocentrismo.