The frozen waste theory e a reacção democrática: o (im)possível lugar ideológico do populus Romanus.

14 Março 2022, 09:30 Rodrigo Furtado

I.                As teorias sobre a sociedade e a política romanas durante a República:

 

A frozen waste theory: tese mais tradicional e mais antiga.

1.      Teses:

    1. Há uma pequena oligarquia muito fechada e endogâmica que controla a cidade (cf. árvore genealógica dos Cipiões-Paulos-Semprónios: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GeneSPC.png);

b.     As eleições e votações são determinadas pelas relações de clientela: sistema de caciquismo muito forte.

c.      Processo eleitoral e votações meramente formal: comportamento eleitoral determinado por condições clientelares.

d.     A generosidade aristocrática: o do ut des (“eu dou para que tu me dês”) aristocrático.

e.      Os critérios das escolhas eleitorais.

                                               i.     Nascimento/Família;

                                              ii.     Currículo político e militar;

‘A maior parte dos Romanos concorda (o voto é o meio através do qual se mostra a concordância) que este homem, Lúcio Cipião, foi o melhor de entre os homens bons. Filho de Barbato, aqui foi cônsul, censor, edil [?]. Ele tomou a Córsega e a cidade de Aléria. Ofereceu às Tempestades um templo merecido’ (CIL 12.8–9).

                                             iii.     Mos maiorum (=tradição).

‘Conseguiu as dez coisas maiores e melhores que os homens sábios passam a vida a procurar: quis ser um o primeiro dos guerreiros, o melhor orador, o general mais forte, administrar os mais elevados assuntos com a sua autoridade, gozar da máxima honra, ter a máxima sabedoria, ser tido como o mais importante senador, conseguir grande riqueza de forma honesta, deixar muitos filhos e ser o mais ilustre homem na cidade’ (elogio fúnebre de Lúcio Cecílio Metelo, cos. 251, 247 apud Plin. nat. 7. 62).

 

 

A reacção democrática.

1.     Textos fundamentais:

a.      K. Hopkins, - G. Burton (1983), Death and Renewal. Sociological studies in Roman history, Cambridge.

b.      F. Millar (1984), ‘The political character of the classical Roman Republic’, JRS 74, 1 -19.

 

 

2.     Os dados sociológicos [cf. Hopkins-Burton (1983)].

 Quadro 1

232-183 a.C.

182-133 a.C.

132-83 a.C.

82-33 a.C.

Gentes patrícias cujos membros tinham chegado a cônsules

13

11

10

7

Nº total de cônsules patrícios

47

34

22

20

Gentes plebeias cujos membros tinham chegado a cônsules

25

28

40

39

Nº total de cônsules plebeus

43

53

67

65

Gentes patrícias ou plebeias com apenas um cônsul eleito durante o período

17

17

30

24

 

 

 

 

Quadro 2

Cônsules de (datas a.C.) que tiveram antepassados consulares (%) (não era ‘homens novos’):

 

249-220

219-195

194-170

169-140

139-110

109-80

79-50

Avô e Pai tb foram cônsules

8

22

20

24

23

25

17

Apenas Pai foi cônsul

30

16

10

18

33

16

17

Apenas Avô foi cônsul

8

8

16

11

5

12

16

Apenas Bisavô foi cônsul

2

5

0

4

2

8

16

 

Quadro 3

 

249-220 a.C.

219-195 a.C.

194-140 a.C.

139-80 a.C.

79-50 a.C.

% de cônsules/pretores que tiveram filhos com sucesso político

53%

62%

48%

43%

34%

% de cônsules/pretores provenientes de famílias que já tinham tido antepassados cônsules ou pretores

64%

86%

59%

52%

36%

% de cônsules/pretores que eram homines noui (homens novos)

36%

14%

41%

48%

64%

 

3.     Conclusões.

a.      final da República cerca de 2/3 a 4/5 da elite consular não era estável (a percentagem de cônsules cujos pai e avô tb foram cônsules nunca ultrapassou os 25%);

b.     Contudo: confirma-se existência de uma elite senatorial hereditária (=nobiles) (ver quadro 3), como a tese tradicional defendia, embora muito mais pequena percentualmente;

 

4.     Teses: 

a.      Oligarquia muito mais pequena do que se pensava e aberta à entrada de novas gentes/familiae no sistema;

b.      Relações clientelares: menos fechadas e previsíveis, mais negociadas; os clientes mudam frequentemente de patrono, de acordo com as vantagens que podem obter

c.      Carácter imprevisível das votações, de acordo com o que as fontes mostram.