Em torno da expressão das emoções

25 Setembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

SETEMBRO                         3ª FEIRA                               3ª Aula

 

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Encontrei nesta aula um clima apreensivo entre os alunos. Não em todos, claro, mas uma grande parte dos presentes parecia nada ter para dizer sobre a obra disponibilizada de Georges Didi-Huberman. Tratava-se de uma pequena conferência destinada a um público juvenil e aos seus acompanhantes, apresentada em Montreuil, França.

O assunto da conferência, apresentado em 2013 e publicado dois anos depois, era sobre emoções. O próprio título desse escrito - Que emoção! Que emoção? anunciava-se já como um instrumento de trabalho curioso. Através da expressão Que emoção! consagrávamos o nosso espanto, Que emoção? abria-nos o campo das perguntas.

E porque as emoções, ainda que estudadas e trabalhadas desde a Antiguidade Clássica, nunca foram o campo especulativo mais apetecível do pensamento ocidental até meados do séc. XVIII, e porque, como dizia Darwin, segundo Didi-Huberman, «a emoção é considerada um estado primitivo» Didi-Huberman, 2015: 15), daí decorrendo talvez o fraco interesse por elas, não deixa de ser verdade que, por exemplo, as lágrimas propiciam um directo benefício a todos nós e que o seu primitivismo continua, e certamente continuará a integrar-nos como seres e como espécie. Tal é o caso decorrente de observação e análise da expressão emocional em animais e seres humanos, levado a cabo por Darwin, e que fazem o biólogo e naturalista escrever: «a secreção de lágrimas serve para aliviar o sofrimento. E quanto mais forte e histérico for o pranto, maior é o alívio que proporciona – de acordo com aquele mesmo princípio que nos diz que a contorção do corpo, a emissão de gritos penetrantes e o ranger dos dentes são acções que produzem alívio quando se está sob o efeito de uma dor muito forte.» (Darwin, 2006: 161)

O carácter terapêutico das lágrimas não deixa por isso de manifestar uma outra componente comportamental associada a estados emocionais e a sentimentos. E é talvez por isso que a pequena conferência de Didi-Huberman nos pode interessar.

No final do seu livro aqui citado, Darwin diz o seguinte: «Vimos também que em si própria a expressão, ou a linguagem das emoções, como há quem lhe chame, é sem dúvida importante para o bem-estar da humanidade. Compreender, na medida do possível, a fonte ou origem das várias expressões que a todo o momento presenciamos no rosto dos homens que nos rodeiam, ou até nos animais domésticos, há-de ter necessariamente grande interesse para nós. Por todas estas razões, podemos concluir que a filosofia desta questão merece toda a atenção que lhe tem sido dedicada por alguns excelentes observadores, e que o seu estudo merece ser aprofundado, especialmente por algum fisiólogo competente.» Darwin escreveu estas frases em 1872, no fim de um belíssimo livro, com uma segunda edição em 1889. Talvez hoje o lugar do fisiólogo, a que Darwin se referia, seja ocupado pelos neurocientistas e antes deles pelos psicólogos, psicanalistas e outros estudiosos do comportamento humano.

Mas não sendo nós neurocientistas nem desempenhando outras profissões que se ocupam do estudo do cérebro, não estamos tolhidos da capacidade de observar, muito distinta da capacidade de olhar e de ver.

De certo modo o que Didi-Huberman procura demonstrar na sua pequena palestra é justamente qualquer coisa de que talvez não nos apercebêssemos assim com tanta facilidade: nos pratos da balança da reflexão europeia e ocidental, as emoções não têm, até ao final do séc. XIX, um peso muito expressivo. Poderemos invocar a pujança de um Século das Luzes que se ocupou em defender o pensamento ordenado e sistemático que tinha por princípio autonomizar o ser humano na sua dimensão prática, política e espiritual. Estamos de acordo em termos gerais com esta perspectiva de criar condições e incentivar a saída do ser humano «de um estado de menoridade», como dizia Kant. Mas entendemos que a saída desse «estado de menoridade e servilismo» só se alcança na plenitude das capacidades de cada um. É por isso que dar particular atenção à expressão das emoções, e cada vez mais neste nosso século isso deveria ser uma prioridade, tal como preconizava Darwin, a propósito do insuspeito bem-estar para o qual a «linguagem das emoções» poderia contribuir.

As emoções, os estados emocionais vários que nos habitam, na sua condição simples ou mais complexa, são o fundamento primeiro das artes, da ciência, da filosofia.

E é por isso que Didi-Huberman escolhe exemplos das artes plásticas, da fotografia e do cinema para demonstrar a sua presença em objectos que ele nos ajuda a descobrir. Tal exercício poderá ser sempre feito por nós em relação às Artes do Espectáculo, área em que talvez sejamos mais experientes do que o próprio historiador de arte francês.

Esta conferência destina-se a abrir-nos horizontes sobre a história geral do conceito e sobre a capacidade de observarmos o mundo sensível e de o interpretarmos. Naturalmente que o próprio estado observacional pressupõe que façamos juízos de valor enquanto apreciamos o que nos é dado observar.

Uma possível forma de nos aproximarmos de Que emoção! Que emoção? será acompanharmos o percurso histórico (tarefa já iniciada e que suscitou alguma polémica), mas sobretudo o traçado especulativo do autor sobre a ideia de emoção individual e colectiva. Faremos isso na próxima aula.

 

Leituras recomendadas:

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água.

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

FRAZZETTO, Giovanni 2014, Como Sentimos – O que a Neurociência nos pode – ou não – dizer sobre as nossas emoções, Lisboa: Bertrand Editora, pp. 176-213.

MENDES, Anabela, Notas para uma sociologia das artes do espectáculo – Reflexão sobre a utilização de parâmetros cognitivos aplicados a públicos de teatro e outras artes in: Maria Helena Serôdio (Dir.), Sinais de Cena 17, Junho de 2012, pp. 60-69.