Emoções controladas e o que lhes subjaz

25 Outubro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                       5ª FEIRA                                          11ª Aula

 

 

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Tendo já antes anunciado que voltaríamos ao pequeno vídeo da aula anterior, no qual um bailarino de Kathakali (história narrada) exercita os seus olhos como acção de coordenar e dominar movimentos e suspensões dos mesmos para posterior execução em espectáculo, interrogámo-nos sobre dois aspectos: 1. O exercício tem a função prática de treinar uma linguagem ocular com a qual não nos relacionamos conscientemente porque ela integra o nosso comportamento emocional desde sempre. 2. O exercício tem a função de produzir expressão e leitura artística adequadas à representação e prossecução de uma narrativa escolhida de entre vários textos sagrados

Habitualmente as escolhas textuais provêm do Ramayana, do Mahabarata e do Bhagavata Purana, encadeamentos de histórias que relacionam habilmente os seres humanos com os deuses no quadro da cultura hindu de há muitos séculos atrás. Por vezes a perspectiva animista providencia a presença de um imaginário fértil. Estas histórias são sempre conhecidas do público indiano e, nessa medida, não criam a espectativa da descoberta de conteúdos e suas relações. A história conta-se pela mostração de uma arte compósita. A prioridade é dada à execução de cada arte por si e todas articuladas entre si. Dança, música, canto-narrado, máscaras pintada no rosto, indumentária tradicional e adereços identificadores de personagens como unhas em metal que sinalizam o representante mais elevado na hierarquia entre os deuses. Mas também personagens que trazem a cena animais. O macaco é o mais frequente por ser considerado um animal sagrado presente em muitos episódios mitológicos.

O actor que executa perante nós os seus exercícios preparatórios para a representação vai alargando o leque de possibilidades para todo o corpo sempre consciente de um trajecto físico e anímico que corresponderá ao seu papel. Desta perspectiva verificamos que a codificação de movimentos o espartilha na sua actuação. Interessante é, porém, verificar que muita da mímica treinada constitui uma espécie de partitura de toda uma representação e que parte exactamente da nossa capacidade emocional geral. Este reconhecimento transforma-se em arte pela incorporação de eventual conteúdo que desconhecemos. Apenas temos acesso a sucessivas posturas e movimentos que mais tarde irão integrar o desenrolar do espectáculo.

Acresce mencionar aqui o desenho de movimento das mãos que é ele também uma linguagem própria. Conhecido como mudras, a linguagem específica das mãos, propõe 24 diferentes posições específicas para cada personagem.

Perante esta complexidade de actuação poderemos questionar-nos sobre o que vem primeiro, o que acontece depois. A probabilidade de muita coisa acontecer ao mesmo tempo torna esta arte performativa numa infinita exigência física e mental para quem a pratica.

E é neste quadro que nos poderemos perguntar sobre se as emoções, sendo «programas de acção inatos, automatizados e estabelecidos» (Damásio, 2010: 159) e por isso com um fundo determinista, permitem que as transformemos nas nossas emoções. No programa de exercícios do vídeo observado encontramos a articulação entre o inato e o adquirido, sendo que este último nos oferece um muito vasto leque de possibilidades. Espantamo-nos porque reconhecemos o que nos é comum, ao mesmo tempo que aprendemos o que desconhecíamos.

Continuamos a ter a dificuldade em identificar no actor as emoções que ele sente e como as sente ou não sente.

De uma coisa podemos ter a certeza: o Kathakali não é apenas treino físico para uma representação artística. Aqueles que escolham praticar esta arte fazem-no como um método e uma actividade para a vida. Trata-se, portanto de uma escolha pessoal que engloba uma dimensão física sempre associada a uma espiritualização da existência.

Os espectáculos de Kathakali são vibrantes e únicos na sua repetitividade. Domina um tempo que se distende e que avança e recua a um ritmo que raramente pode ser comparado com o modo como se vive nas actuais sociedades. Talvez seja um nicho artístico de grande longevidade e que nos mostra como há muitos séculos a cultura do sul da Índia estava impregnada de ensinamentos e prazer, em que as comunidades, mesmo quando conflituavam, encontravam no Kathakali uma forma de redenção.

António Damásio em O Livro da Consciência – A construção do cérebro consciente, afirma: «(…) a ligação que estabelecemos entre os nossos estados corporais e o significado que assumiram para nós pode ser transferida para os estados corporais simulados dos outros, momento a partir do qual podemos atribuir um significado comparável à simulação. A gama de fenómenos relacionados com o conceito de empatia deve muito a esta disposição.» (Damásio, 2010: 137)

 

Vídeos aconselhados:

https://www.youtube.com/watch?v=xGMRmoR7GPk

https://artejornadahumana.com/kathakali/