Kathakali - arte difícil para mentes elásticas
30 Outubro 2018, 18:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
OUTUBRO 3ª FEIRA 12ª Aula
30
Ocupámo-nos na aula de hoje com o visionamento de um espectáculo de Kathakali realizado em Cochim (Estado do Kerala, Índia) em 2008.
Salientámos ao longo do visionamento intervalado aspectos como a necessidade de tomarmos consciência do fluir do tempo. O tempo da representação, que possui uma extensão demasiado longa para os hábitos ocidentais, revela-se como um tempo em camadas que por nós devem ser apreendidas.
Se considerarmos o facto de o Kathakali pertencer ao universo das artes compósitas, a distensão temporal considera a simultaneidade e a consecutividade das acções executadas em palco de forma lenta.
Como espectadores do desconhecido, nós somos obrigados a desenvolver um espectáculo próprio, emocional e intelectualmente desafiador, que nos exige atenção a vários níveis. A música é, por exemplo, construída sobre fraseado repetitivo e de inter-resposta com instrumentos de percussão que dialogam à vista do público. Embora de fácil reconhecimento, a repetição pode não ser para os nossos ouvidos uma fonte de prazer. No entanto, ela sublinha e cria os ritmos da representação.
Associada à música vem o contributo do cantor-narrador (às vezes dois) que nos apresenta os episódios ou episódio que constituem a história da representação e que é matéria própria da oralização de textos sagrados da cultura indiana hindu. Atendendo ao facto de que a oratura, como hoje se designa a cultura e a literatura orais, assenta sobre modelos baseados na repetição e na criação de imagens fortes reconhecíveis pelo público presente no espectáculo, torna-se compreensível que a toada narrativa ocorra por sequências de repetição. Também este acto performativo contribui para uma melhor compreensão do que o Kathakali oferece em termos da palavra e do canto.
Finalmente a intervenção dos bailarinos-actores, a mais complexa acção em palco, pede que descodifiquemos várias linguagens ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, a mímica facial é em si uma arte que nos confronta com o que conhecemos e praticamos e com aquilo que nos supera. Em segundo lugar, a linguagem gestual cria um fraseado simbólico e codificado de aplicação ao texto que está a ser dito e cantado, seguindo ao memso tempo o ritmo e a cadência musicais. Em consequência de tudo isto, e em terceiro lugar, o movimento dos corpos estiliza-se na correspondência entre o peso e o volume dos figurinos, dos adereços, de entre os quais se salienta o encaixe do toucado em madeira (cerca de 15 a 20 Kg) de quem representa a figura principal (geralmente um deus ou filho do mesmo, destacado também pelas unhas artificiais em lata que a divindade usa na mão esquerda e só nela).
É pois natural que nós, que em comparação pouco esforço temos de fazer, nos percamos entre tanta exigência.
O nosso cérebro não responde com facilidade ao que é novo, quanto mais ao que é novo e múltiplo ao mesmo tempo, e com uma toada milenar, de um tempo em que a estimulação periférica (vinda do exterior) não nos obrigava a uma constante solicitação e estimulação. É pois natural que rejeitemos esta arte performativa e que a achemos difícil para as nossas mentes desfasadas daquilo que sendo História cénica continua a encantar outras culturas e civilizações.
Estranho é, porém, que os modelos espectaculares com que nos confrontamos hoje me dia, também eles plenos de polivalência, não nos ocorram e não nos visitem quando observamos um espectáculo de Kathakali.
DVD visionado:
MARGI, Thiruvananthapuram (agrupamento) 2008, Kathakali, DVD, Legendas em inglês, 1h 29 min.
Youtube - Kathakali