Prossecução de discussão de pesquisa em curso
15 Março 2019, 14:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
MARÇO 6ª FEIRA 7ª AULA
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Programáramos para a aula de hoje três intervenções sequenciais sobre os trabalhos em curso.
Marineide Câmara acedeu a comentar connosco alguns dos conteúdos da revista A Flecha, publicação de São Luís do Maranhão, entre 1860 e 1890, e a primeira revista local a abordar assuntos relacionados com a actividade teatral nessa cidade. A totalidade dos números de A Flecha (270) constitui objecto de estudo privilegiado da sua futura tese de doutoramento. Se antes nos detivéramos na ilustração de capas e nas ilustrações de interior que nos pareceram muito sugestivas do ponto de vista da organização de classes e sua presença em diversos espaços públicos, em particular no teatro; se antes nos detivemos sobre as várias formas de parodização da figura do indígena, comentando a diferença de raças e etnias localmente perceptível; se antes salientáramos a replicação de modelos europeus na escolha de repertório e no acompanhamento de actores e companhias que visitavam a capital nortenha do Estado do Maranhão; pudemos verificar agora que as curtas 8 páginas de cada número de A Flecha se revelavam expressivas quanto ao quotidiano da circulação de informação de carácter cultural na cidade. O objectivo da revista, no primeiro número visitado, desenvolvia, por exemplo, uma política de inserção no mercado de divulgação e junto dos seus potenciais leitores, partindo de um clima de confiança criado junto dos potenciais leitores de A Flecha. Acreditava o editor João Crispim que leitor não interessado em se fidelizar através de assinatura ou de compra de exemplar individual, lhe remeteria o número de A Flecha sem mais. Esta política de aquisição da revista pareceu-nos quase de natureza familiar. Um bem de consumo poderia ser devolvido caso nele não houvesse interesse.
Consultámos outras notas editoriais e constatámos que o espírito de divulgação e promoção da revista assentava num projecto cultural de natureza crítica, por vezes jocoso, servindo-se o editor das “flechadas” indígenas e outras manifestações discursivas como forma de questionar comportamentos, atitudes e acontecimentos que, do seu ponto de vista, mereciam constituir matéria de diálogo. A Flecha pareceu-nos manter um tom crítico, por vezes com algum sentido demolidor, em relação às matérias tratadas. Verificámos também que o carácter amplo dos assuntos tratados justificava a expressão: «um jornal para todos.»
Marineide Câmara terá uma curta estadia no Brasil para aprofundar a investigação já realizada. No seu regresso, a aluna voltará a conversar sobre A Flecha, um objecto de estudo que se nos tem vindo a revelar de grande interesse.
Andrés Jurado retomou a sua exposição ocupando-se da leitura de mapas que se encontram agregados ao capítulo 3 do livro de David Turnbull, 2000, Masons, Tricksters and Cartographers, Comparative Studies in the Sociology of Scientific and Indigenous Knowledge, London and NewYork: Routledge.
Objectivamente o aluno defendeu que os mapas que pudemos observar revelavam um tipo de conhecimento muitíssimo mais vasto do que aquele que diz respeito apenas à cartografia. Tivemos oportunidade de observar o Planisfério de Diogo Ribeiro, de 1529 (108) que fornece múltipla e detalhadíssima informação, por exemplo, na área da fauna e da flora ao longo de todo o continente africano, como se essa informação pudesse ser fidedigna à data da realização do mapa. Acontece também podermos observar uma detalhada identificação de lugares que percorrem toda a linha de costa, exceptuando-se desta perspectiva apenas a parte superior da África oriental. Outro é ainda o tipo de informação retirado do desenho de meridianos e paralelos, neste caso inspirados no Tratado de Tordesilhas assinado entre Portugal e Espanha em 1594, e que estando visíveis recebem acrescento de muitas outras linhas cartográficas que talvez pretendessem assinalar rotas favoráveis de caravelas em trânsito entre a Europa e a Ásia. Há pequenas descrições em latim, desenhos de barcos em movimento e identificados pelo nome, insígnias e estandartes.
Na perspectiva do aluno e também do autor tratado, verifica-se neste tipo de instrumentos de observação a presença de conhecimento acumulado e ao mesmo tempo produzido com uma profunda dispersão. Como trabalhar com estas imagens tão elaboradas e híbridas ao mesmo tempo? Quem decide sobre o que deve constar destes instrumentos cartográficos tão detalhados e tão múltiplos de conhecimento específico? Quem terá a sabedoria adequada para determinar a sua forma última? Armazenar e reproduzir são acções que requerem ponderação. Que tipo de ponderação deve ser considerada nesta montagem e exposição de dados? Poderemos neste e em outros casos de mapas observados mencionar a presença explícita de uma coreografia para alguns dos seus elementos? Foi o caso, por exemplo, da observação do mapa da cidade de Lisboa de 1598 que nos introduziu na reticulação de uma cidade tardo-medieval, ao mesmo tempo que nos disponibilizava o acompanhamento da vida quotidiana em terra e no rio com legendagem específica.
https://www.zazzle.com/antique_map_town_plan_of_lisbon_portugal_1598_postcard-239273052161551306
Pudemos ainda observar o mapa da cidade de Limburg, na actual Bélgica, de 1575, incluído na obra Civitates orbis terrarum, associada ao Atlas de Abraham Ortelius, que o aluno tem em estudo. Nessa imagem o gesto coreográfico torna-se bastante mais evidente pelo destaque que é dado a uma figura à direita da imagem e que sobressai sobre todas as outras. Não chegámos a aprofundar as observações feitas.
http://historic-cities.huji.ac.il/belgium/limburg/maps/braun_hogenberg_II_18.html
Tivemos ainda a oportunidade de comparar o mapa da cidade de Limburg com recente cartografia do mesmo lugar feita pelo Google Maps. Confesso a minha dissidência em relação a esta última imagem. De facto, os mapas antigos propiciavam um conhecimento tão mais abrangente e rico, tão mais interessante do ponto de vista performativo e de construção de teatralidade que a minha posição em relação a esta matéria se aproxima claramente da defendida por Andrés Jurado a partir de David Turnbull.
Por último aconteceu ainda a apresentação de Sajjad Yarifiroozabadi sobre o espectáculo tradicional e religioso iraniano Ta’ziyeh. O aluno entendeu fazer uma introdução recuando ao período neolítico para explicar o carácter único desta manifestação teatral e religiosa nascida no Irão, opção que não entendemos devido à distância histórica considerada. A apresentação revelou algumas debilidades, principalmente por o aluno se ter dispersado por aspectos que relacionados com a sua introdução. O documento apresentado ia sendo lido por Sajjad Yarifiroozabadi num acto repetitivo que nos pareceu desnecessário.
Tendo o aluno sido avisado do plágio produzido em documento anterior, corrigiu a estratégia, embora não deixando aqui e acolá de a repetir em proporções menores. O aluno não legendou as imagens apresentadas, indicou uma bibliografia incompletíssima, mas que revelava informação em farsi, não se dando ao trabalho de traduzir essa informação para os seus ouvintes. Paralelamente entendeu o aluno que os seus colegas e eu desconhecíamos o significado de «Neolítico» e de «Mesopotâmia», remetendo-nos para endereço electrónico da Wikipédia.
Em próxima sessão de seminário, que no caso deste aluno ocorrerá a 29 de Março, esperamos ser finalmente esclarecidos de forma mais prática sobre o Ta’ziyeh. O aluno propôs a apresentação de três vídeos que comentaremos após o respectivo visionamento.
Isabel Teles de Menezes vai iniciar as suas entrevistas com criadores portugueses e apresentará a 22 de Março no âmbito do Seminário de Doutoramento PET o estado da sua investigação.
Aguardo ainda posicionamento da aluna Rita Miranda a quem escrevi recentemente e que, integrando este seminário, tem estatuto de estudante-trabalhadora.