Abertura e adjagências

27 Janeiro 2020, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

JANEIRO                                        2ª FEIRA                                          1ª AULA

 

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1. Iniciámos a nossa primeira aula sob o signo do conforto humano e da solidariedade. Alvo dessas manifestações fui eu própria que, regressada de viagem de reconhecimento de aspecto, comportamentos e movimento corporal em actividades quotidianas do povo núbio, fui alvo de tentativa de assédio sexual num cemitério no Cairo, na véspera de regresso a Lisboa.

A aula de hoje aconteceu após três noites sem descanso, devido a horários de voo madrugadores e de ligação entre aeroportos com tempos de espera prolongados.

Apesar das circunstâncias entendi que a aula deveria ter lugar.

Perante as alunas presentes e dado o meu aspecto desgovernado considerei que lhes devia uma explicação que, mesmo que não justificasse muito do que acontecera, seria pelo menos uma forma de entendimento do quadro conjunto que tinham perante elas.

2. Trazia comigo uma espécie de enigma que resultara de reflexão durante essa viagem e que nascera da observação de um dos mais estranhos templos que visitara. O templo em questão e designado por KOM OMBO apresentava características invulgares em relação à maioria dos templos egípcios. A sua existência devia-se à celebração de dois deuses em simultâneo: o deus Sobek representado por um crocodilo e o deus Horus, filho de Isis e Osíris, representado com cabeça e olhos de falcão.

A geminação de KOM OMBO como lugar de celebração considera que este templo mantenha integralmente a simetria arquitectónica como representação da dualidade divina aí celebrada. Apresenta ainda este lugar e nas suas paredes de fundo relevos em desenho e de forma sequenciada de instrumentário cirúrgico, cenas de parto com as mulheres de cócoras, podendo ainda ser visto um objecto identificado como um estetoscópio, entre tesouras de vários tamanhos e distinto material usado em pequenos curativos ou em intervenções mais prolongadas. A presença destas imagens bem preservadas pode levar-nos a pensar que aí existiria um hospital para tratamento de peregrinos e gente comum.

3. Neste templo vivia um número razoável de sacerdotes que apoiavam o sumo-sacerdote em todas as suas actividades em honra dos dois deuses mas também na organização da estrutura e seu funcionamento quotidiano.

Ser sacerdote era um desígnio dos deuses mas também resultado da vontade do próprio. O processo de admissão ao templo tinha várias fases. A primeira dessas fases resultava da renúncia ao mundo exterior que se processava em duas etapas e em lugar fisicamente visível. À entrada do átrio hipostilo exterior, com as suas dez colunas gigantescas, o futuro sacerdote exprimia pela primeira vez a sua vontade de ficar para sempre no templo. O passo seguinte acontecia no átrio hipostilo interior idêntico ao anterior mas mais pequeno.

Aí o futuro sacerdote era confrontado com dez áreas do conhecimento representadas cada uma delas por uma coluna. No seu conjunto ele deveria aprender em cada mês uma única matéria. Essas matérias diziam respeito à geometria, filosofia, religião, desenho, alquimia, jardinagem, canto/poesia, medicina, escrita hieroglífica, harmonia do mundo.

Aceites como futuros aprendizes os sacerdotes deparavam-se com dois problemas:

i) Como fazer para não esquecer o que se aprendia no mês anterior em relação ao que se tinha de aprender no mês seguinte e assim sucessivamente até preencher todas as necessidades inerentes a cada área de estudo?

ii) Como fazer chegar às populações exteriores ao templo o que viesse a resultar de um trabalho de dez meses de estudo e actividade empírica regular na vida de cada sacerdote e para além desse tempo?

4. É a estas duas questões que gostaria de receber as vossas respostas por escrito. Eis o que vos proponho como enigmas dentro dos quais existem formas de compreensão mas também de desafio.

5. Começámos a ouvir o que cada uma das alunas tem para contar acerca do seu trabalho em curso e com vista à escrita de uma tese de doutoramento. Falou Elsa Almeida sobre a sua pesquisa e prática artística e docente na área da dança clássica e da música. Escutámo-la com toda a atenção e constatámos que em Portugal a aprendizagem da música continua a estar desfasada num leque mais vasto de disciplinas. Que dizer da dança clássica?

Falou Luana Proença sobre o projecto de entendimento que cria relação entre actor/actriz e personagem.

No caso de Luana Proença foi possível fazer duas ou três sugestões para reflexão. Alcançar material informativo sobre um espectáculo de dança realizado no Teatro do Bairro Alto por Josefa Pereira e intitulado Hidebehind. Quem é quem?

Recuperou-se ainda o processo de crescimento com histórias desde a mais tenra infância até à construção épico-narrativa de espectáculos brechtianos criados sob o signo da desmultiplicação de vozes e de personagens, um circuito que teve e tem tido outros criadores como, por exemplo, Heiner Müller e Elfriede Jelinek. E este processo teria continuidade, por exemplo também, com um texto muito interessante chamado O Narrador de Walter Benjamin. Também aqui faria sentido, por exemplo ainda, ler um capítulo da obra de Giovanni Frazzetto, Como sentimos, dedicado ao tópico empatia.

Veremos com os alunos quais os interesses que mais os estimulem.

Gostaria de receber de cada uma das alunas que já expuseram oque as move uma formulação escrita como síntese do que estão actualmente a realizar.

Os restantes alunos terão na próxima aula a oportunidade de exporem de forma clara, tanto quanto possível, as questões em que estão envolvidos no presente.

6. Quis saber se as alunas estavam disponíveis para que ao longo do semestre e sempre que adequado pudéssemos sair pela cidade em busca de espectáculos, exposições, concertos, ou estar num jardim. Pareceu-me possível que tal venha a acontecer.

O Seminário de Orientação II é um fórum aberto para distintos debates.