Apresentação de ensaio escolhido por Patrícia Anthony
15 Março 2021, 10:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
MARÇO 2ª FEIRA 7ª AULA
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Dedicámos esta nossa aula à escuta de apresentação e de reflexão crítica de Patrícia Anthony sobre ensaio de Luciana Hartmann, Performance e Experiência nas Narrativas Orais da Fronteira entre Argentina, Brasil e Uruguai (2005).
A aluna procedeu ao levantamento das questões essenciais do ensaio em estudo, situando-se nas diferentes modalidades do conceito de performance e salientando a diferença entre “acto performatizado” e “evento ordinário do quotidiano”. Patrícia Anthony reconheceu que o campo em debate não oferece uma garantia conceptual unívoca, ainda que não possamos negar que a performance “é um acto reflexivo que cria uma experiência”.
Pergunto-me quantos actos reflexivos são criadores de experiência sem que possamos afirmar tratar-se de uma performance?
Expressa-se a nossa aluna, e partindo sempre do ensaio escolhido, sobre dois termos que claramente pretendem tornar a etnologia e a antropologia extensíveis a novas áreas do conhecimento. A saber: etnocenologia e antropocenologia. A desmultiplicação científica alcançada com estas designações procura fragmentar conhecimento que explicita e implicitamente estará presente nas artes cénicas sem que elas se possam libertar desta nomenclatura, embora reconheçamos as ligações existentes.
Patrícia Anthony centra-se em área da sua investigação defendendo com a autora do ensaio dois tipos de performance que emergem, ou irão emergir das suas investigações e exercício prático com respondentes.
São, pois, consideradas: 1. a performance como desempenho narrativo e 2. a performance como espectáculo. A exemplificação apresentada pela mestranda socorre-se de textos recolhidos por Luciana Hartmann. Em ambos os casos o comentário é de natureza linguística, formalmente considerado de natureza poética (1.), o que se revela mais em termos formais do que propriamente como expressividade natural que parece ser o que na verdade acontece com o 1º relato.
A linguagem oral captada nos dois exemplos, e considerando o que os distancia entre si, poderá conter para nós leitores e auditores momentos de teatralidade específica em função da personalidade, da natureza de vida de cada orador e através da respectiva ambivalência do discurso, como também na visão metafórica do lugar fronteiriço de onde são feitos os relatos apresentados. Interessante este aspecto do projecto de Luciana Hartmann.
A nós ficou a faltar-nos a visibilidade da experiência. A tradutibilidade do processo que, apresentado por escrito, omite, pelo menos para nós, a narração com o corpo. Transcrever não pode substituir a viva comunicação do próprio que na realidade nunca se desliga do que escutamos. Neste caso não escutámos. O corpo como escuta e visualidade é uma parte insubstituível do acto de narrar e que tem naturalmente valor performático.
Patrícia Anthony, na esteira de Luciana Hartmann, deseja aplicar ao seu estudo em curso a capacidade de compreender as realidades culturais dos indivíduos e das comunidades a que pertencem a partir de histórias de vida. A originalidade de um pequeno quadro branco no qual se pede a alguém que conte a sua história, como nos mostrou a Patrícia, parece-me ingénuo tendo presente o tipo de pessoas – migrantes – que com este objecto são confrontados. Tenho uma sugestão para a nossa aluna e para quem entender alargar artistica e eticamente o seu horizonte sobre a dificílima vida de migrantes e refugiados.
Na Galeria Filomena Soares em Lisboa, encontra-se uma exposição com o título PLACES OF WAR de Daniel Nave. Esta mostra tem como objecto a destruição na Síria causada pela longa guerra que não tem fim. É de inquietação, ruínas e caos que são feitos estes “Lugares de Guerra”. As imagens em teia e a música identificam o que resta de um país de onde fugiram os que puderam fugir e cujas memórias transportam um antes e um depois de onde as marcas de uma casa que foi abrigo e protecção deixou de o ser, dando lugar ao que deixou de ter forma e que as teias da exposição invocam.
A exposição está aberta até 30 de Abril.
gfilomenasoares.com
Sinto dificuldade em compreender como o ensaio de Luciana Hartmann tão luminoso e ensolarado na sua recolha de histórias divertidas, cheias de humor
e muito ao sabor de vivências que contadas ajudam a passar o tempo, possa na vertente prática do trabalho da Patrícia ter correspondência nas histórias de gente que foge da guerra, que morre no mar e, saltando fronteiras, procura um abrigo temporâneo sem nunca esquecer de que cultura veio.
Foram sendo colocadas perguntas à Patrícia e a todos os colegas ela respondeu com entusiasmo e convicção, associando as práticas do contar de histórias a duas formas de teatro que, na sua opinião, estão próximas do Teatro de Rua e do Teatro Comunitário. Alguma razão terá a Patrícia ao invocar estes dois subgéneros teatrais que nascem de partilha e vivência comum e onde as histórias de uns e de outros aí têm lugar.
Quem sabe se as histórias dolorosas de migrantes e refugiados poderão ter um rumo novo e de esperança, quando narradas à investigadora.
De entre as questões apresentadas, Paúl Sanmartin referiu justamente um aspecto curioso relacionado com o ensaio em estudo. A personagem de fronteira provém de um “corpo que é parte de um complexo cultural” e esse corpo traduz experiência e exprime um dizer próprio. Maria João Vicente acrescentou um aspecto importante no contexto de ensaio e que se relaciona com a prática do contrabando. Esse aspecto está presente nas narrativas comentadas e é, mais uma vez característico de uma vivência cultural. Referiu a Maria João um elemento crucial da apresentação de Patrícia que foi a inclusão na apresentação de um vídeo feito com a própria investigadora e que criou uma dimensão individualizada num contexto colectivo. Maria Josefina Fuentes coloca uma questão já mencionada: como se relaciona a Patrícia com narrativas de emigrantes? A resposta não sofre grandes alterações ao que já fora dito, embora seja sublinhado que poderão ser contadas histórias de amor, histórias de emigração, histórias que refiram comportamentos do quotidiano. Patrícia acrescenta ainda a experiência que já tem de escutar histórias. Josefina acrescenta uma segunda pergunta: Como agir com a pragmática?” e termina lembrando que a voz (sua área de investigação) deverá ter um lugar na análise. Paúl acrescenta que é importante acolher o outro como ele é. Rocio Perez menciona a importância do espaço e como ele é decisivo para a experiência que nesse espaço se produz. Eliane Ramin ocupa-se da diferença entre realidade e ficção no contar de cada história. Patrícia socorre-se da sua própria história para encerrar a indagação de todos.
Também a propósito deste final, em que Patrícia se apresenta como emigrante em França onde fez o seu curso de Mestrado, sinto alguma dificuldade em estabelecer comparação com o seu trajecto e o trajecto das pessoas que a aluna pretende investigar ou já estará a investigar.
Pontos de vista incoincidentes não significa que não tenhamos apreciado o trabalho de apresentação da aluna que mantém grande vivacidade e entusiasmo pelo seu assunto: Migrações na cena – Influências e Desdobramentos das Migrações na Criação Teatral entre Portugal e Brasil