Em busca de uma vida plena
19 Abril 2021, 10:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
ABRIL 2ª FEIRA 11ª AULA
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Durante a sessão de hoje escutámos a apresentação de Paúl San Martin que sequencia o seu projecto de investigação intitulado Noción de “kamaq” como matriz andina de creación escénica para la dirección teatral, alargando-o agora com reflexão específica na área da metodologia. Em documento anterior já nos havíamos confrontado com a palavra “kamaq” (princípio de criação) e com o significado de “matriz andina”, forma de pensar a realidade dos povos andinos sob uma perspectiva simbólica, se bem que considerando a geomorfología da Cordilheira dos Andes como a estrutura-base que orienta toda e qualquer abordagem relacionada com a vontade de entender e apreciar como vivem as comunidades que habitam estes lugares com mistério e integração pelo sagrado em tudo o que é vida. Aquilo a que António Damásio, já algumas vezes mencionado em nossas conversações, chama homeostasia.
Na exposição a que tivemos acesso foi dado destaque por Paúl a uma disciplina relativamente nova nas artes performativas – a etnocenologia – que é uma ciência que se dedica ao estudo, em diversas culturas, do fazer prático nelas presentes, considerando como essenciais os comportamentos e as acções humanos organizados numa dimensão espectacular.
A Etnocenologia dedica a sua atenção de uma forma particular ao pesquisador que é envolvido pelo âmbito da pesquisa de uma forma amorosa, passando a participar no desenrolar das acções e na sua própria mobilidade espectacular. Quaisquer que sejam as apresentações / representações a que o investigador assiste (cantares, danças, peças de teatro, uma preparação culinária, uma celebração religiosa), torna-se essencial a sua capacidade móvel. Cada lugar inspira um modo diferente de reagir e a adaptabilidade é condição primeira para que a pesquisa prossiga. Um Etnocenólogo tem de ser capaz de considerar o universal e o particular num mesmo nível de aceitação.
A investigação de Paúl San Martin traz-nos novos conhecimentos e propõe um desafio maior que consiste em observar a produção cénica como referente maior dos diversos sistemas simbólicos e ao mesmo tem reais que convergem em cada comunidade.
O aluno caracteriza assim nas suas notas de ensaio o modo como pretende aplicar a prática etnocenológica aos seus estudos de campo:
«La contribución de una perspectiva etnoescenológica es, en contrapartida, impedir la description del fenómeno de la description aplicado a los espectáculos vivos unicamente como un jugo combinatório de las formas en presencia. La mirada de la etnoescenología invita a performar la Caparaó de lo macroscópico al proponde la adopção de «un enfoque sistémico, susceptível de tener en cuenta los subsistemas mutuamente interactivos que subtendem las actividades del Ombre total, considerado en su integralidade».»
No ponto 3 do seu documento são questionados aspectos que tornam mais evidentes os campos de exclusão do que não sendo humano ou vivendo nas margens do mesmo é entendido como aspecto que fortalece o antropocentrismo que continua a manter fora de padrões normatizados o que não respeita nem entende.
Deste ponto de vista, o trabalho teatral proposto, ainda em termos gerais pelo aluno, faz-nos acreditar que é seu propósito dar vida ao que já é vida e vai ao encontro das suas reflexões e do modo de construir na espectacularidade de cada coisa, de cada pequeno ser a intercepção de todo um conjunto apoiado na regulação para a qual tendemos e procuramos.
Sublinhe-se neste contexto a frase retirada do ponto 5 do documento em apreço: «En clave de esta condición todo lo existente tiene kamac. Es decir, participa del principio vital que mueve todas las existencias.»
Paúl San Martin acrescentou à sua exposição a convicção dos seus propósitos na defesa de pensamento artístico, antropológico e etnocenológico. Mas mais do que isso sobressaiu das suas palavras uma dimensão ética que o seu projecto também refere. Essencialmente ficou claro para todos nós que o aluno ama o seu país e que estudar os povos indígenas no seu quotidiano cultural é um desígnio de vida.
Intervieram na discussão Maria-Josefina Fuentes que estabeleceu comparação com a «matriz andina» chilena, confirmando o que já antes tinhamos constatado: o abandono dos povos autóctones sujeitos a políticas de desenvolvimento que não os respeitam e a necessidade de recuperar para o estudo as várias etapas históricas: colonialismo, pós colonialismo e decolonialismo. Patrícia Anthony chamou a atenção para o processo de aculturação existente também no Brasil e mencionou vários exemplos que conhecia de infância e que correspondiam a manifestações sincréticas, comportamentos e práticas próprios de pessoas e comunidades que trazia na memória. Eliane Ramin interessou-se por este projecto como relação cultural simbólica que em muito se distingue do teatro ocidental. Finalmente, Rocio Perez, mulher do aluno expositor, teve o privilégio de se manifestar de um ângulo de proximidade ao referir a entrega vivencial com que Paúl trabalha junto das comunidades, como expressa, perante aqueles que alimentam o seu estudo, a sua maneira de ver o mundo. A total dedicação faz-nos crer na bondade científica deste projecto.