Em torno da voz natural e do trabalho artístico com a voz

22 Março 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

MARÇO                                2ª FEIRA                               8ª AULA

 

 

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Iniciámos o nosso seminário com uma chamada de atenção que visa lembrar às alunas e ao aluno a necessidade de apresentar um manifesto de intenções que nos esclareça sobre o trabalho final a realizar por todos.

Essa informação deverá chegar-me até ao fim das férias da Páscoa.

Defendi antes que considerava possível e desejável como exercício de treinamento futuro que cada um escrevesse um pequeno capítulo da tese ou partes da mesma, de acordo com o andamento das investigações de cada um.

Muitas vezes a “folha” em branco é criadora de angústias que talvez possam ir sendo ultrapassadas.

Esta opção, face à habitual escrita de um relatório, parece-me ser mais exigente, mas ao mesmo tempo também funciona como contra-prova do que cada um já alcançou em termos metodológicos e investigativos e o que precisa de fazer em etapas futuras. (Ver indicações dadas na 1ª aula, agora adaptadas a esta modalidade.)

Caso a sugestão aqui apresentada não colha o vosso interesse, por esta ou aquela razão, o que muito me entristeceria, manteremos o formato de relatório sem mais.

 

Teve hoje lugar a 2ª apresentação de Maria-Josefina Fuentes a partir da estruturação escrita de dois exercícios práticos – “El pasado adelante” e “Crisálida” -, abrindo ainda espaço para “Cariñarse”, todos em processo de rememoração e fixação em forma coerente.

A aluna enviou aos colegas e a mim documentação que suporta a fase investigativa e de inquirição actual sobre as performances anteriormente visionadas e comentadas.

Expôs-se ela no assumir da verdade do seu processo como escutadora especial e em função da especificidade auditiva que a caracteriza: «Mis umbrales auditivos son muy bajos, lo que implica que escucho intensidades

muy sutiles.» Este aspecto de natureza biológico-aural (formação do seu ouvido interno) torna-se num elemento preponderante para a condução do processo investigativo no que à voz também diz respeito.

Paralelamente a esta característica endógena, Maria-Josefina abre o seu mundo perceptivo a outros elementos, agora exteriores, que tornam a investigação muito rica do ponto de vista da aquisição e tratamento de materiais. É o caso do visionamento de um pequeno vídeo – Last Knit – a partir do qual nasce a versão que observámos de “El pasado adelante”. Estarmos por dentro do processo criativo permite-nos desenvolver perspectivas de meta-colaboração e interpretação que se tornam essenciais para a recepção daquilo a que somos expostos.

O entendimento do corpo vocal para Maria-Josefina Fuentes apresenta já uma boa sustentação bibliográfica que prossegue sem parar, o que não a impede de dedicar também uma significativa parte do seu tempo à escrita que vai ensaiando em modo de variação, isto é, adequada a cada objecto e ao que ele requer para prosseguir com voz própria, adaptando-se a um puzzle de construção.

Das intervenções dos colegas destaca-se a ideia de polifonia que a investigação apresenta no processo associativo da voz (com integração de muitas vozes) e em que interferem diversos aspectos de uma mesma realidade, como defende Paúl Sanmartin. Torna Rocio Perez relevante na sua colaboração receptiva a ideia de espaço vocal como lugar de encontro, como forma de exercitação de proximidade actuante através da voz e seus matizes. Acrescenta Maria-Josefina que esse espaço vocal tem a função de ser transformador como forma de conhecimento para outros, o que aliás já está presente no que nos foi apresentado nas duas aulas dedicadas a este assunto.

Eliane Ramin fala-nos da sua experiência como actriz no contexto da percepção auditiva como capacidade de eliminar ruídos/zunidos de variada espécie e que são um factor de perturbação em diversos níveis, secundados por manifestações exteriores como, por exemplo, o uso de linguagem por interlocutores cuja língua não entendemos.

Patrícia Anthony reporta-se ao universo de diversas vozes, adequado também à sua experiência materna, em que o filho pequeno exercita já o bilinguismo com diferentes sonoridades. Salienta ainda Patrícia a dimensão emocional a que fomos sujeitos com o trabalho de Maria-Josefina e que nos proporcionou um conjunto de sensações e percepções de que não só tivemos conhecimento, como constituiu um acesso aos bastidores da pesquisa.

Este último aspecto resultou da clara e pormenorizada exposição de Maria-Josefina que de facto nos conduziu a alguns aspectos que passaram a adquirir sentido para nós (recorde-se o vídeo Last Knit). A partir do momento em que foram desvendados os fios que tudo ligam e que desocultados estabeleceram com o trabalho da investigadora uma nova relação que ela quis de proximidade e esclarecimento. Vem a propósito como foi alcançado o caminho para a sua 3ª produção performativa e a que deu o nome de Cariñar. Foi-nos explicado que esta palavra nasceu de um neologismo criado por uma das suas filhas. Reforça este exemplo outras opções de que fomos tendo conhecimento e que justificam no contexto metodológico a sensibilidade com que maria-Josefina aborda e trabalha as suas obras artísticas sempre em torno de um cada vez mais intensivo aproveitamento da voz, do canto, da linguagem oral e, obviamente também, da palavra escrita.

O trabalho da pesquisadora revela maturidade na sua condução, tendo-nos permitido a realização de uma aula muito produtiva.

 

Aulas previstas em Março – 4

Aulas dadas em Março – 4

Saídas culturais – 0

Saídas cá dentro – 1 preparação de trabalho de leitura sobre Rotas da Escravatura de Jordi Savall