Felizes para sempre, só hoje!

26 Abril 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

ABRIL                                   2ª FEIRA                              12ª AULA

 

 

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Recebemos hoje o último contributo oral de um conjunto de seis, da doutoranda Maria João Vicente sobre o seu projecto de investigação em forma actual e que designa por Felizes para, sempre só hoje!

Achei curioso este título pela suspensão criada pela vírgula e ao mesmo tempo provocatório pelo que deixa de invocar como alcance de pacificação para a vida e menos para a morte. Percebi depois que a leitura que fizera desse título adquirira uma condição não tão sofisticada, embora ainda desafiante para os conteúdos que iriam ser apresentados. Um lapso deslocara a vírgula para junto da palavra errada. O título correcto seria então: Felizes para sempre, só hoje!

A recriação temporal determinava que o adquirido desse lugar-comum fosse substituído pelo suspenso que conforma cada momento em si. Este título trocava as voltas ao desejo de bem-estar e de uma certeza sonhadora que fabrica muitos dos contos maravilhosos e que, por isso, se transmuda facilmente para a vida.

No só hoje congregou Maria João Vicente um postulado essencial para a sua investigação e que demonstra o simbolismo de revisitar um determinado período de acções em cena e seus protagonistas, como a própria se interroga: «O que acontece na cena, individual e colectivamente, num determinado grupo de pessoas, num determinado período de tempo?»

Esta proposta reconfigura um ou mais só hoje que se articulam em diversas direcções. No fundo esta ideia procura compreender o que já aconteceu, e que nem sempre terá sido fonte de simples felicidade, mas que pode perspectivar na distância o que ainda está por dizer.

A investigadora assume com clareza o enviesamento do seu projecto no tracejado do caminho e dispõe-se a criar um lugar em cena para quem leia o que vier a escrever. Esta originalidade requererá um duplo esforço: mudar o ponto de vista do leitor, porque ele é convidado a mudar-se no espaço intencional; convencer o leitor de que nada mudando, de facto, tudo muda mesmo.

Maria João Vicente usará no seu trabalho a metodologia das entrevistas como forma de aproximação a outros com quem trabalhou, permitindo que os muitos trabalhos em que se envolveu como actriz possam renascer pela palavra, pelas reacções corporais, pela voz, a mesma e outra já, como reconstrução (sempre falsa) de memórias que colaborem com o trabalho a ser escrito.

Actualmente Maria João Vicente sistematiza a sua investigação em cinco capítulos: Do lado da História; Do lado do Outro; Uma Experiência colectiva; Do lado da Ética; Descrições.

Todas estas partes parecem bem defendidas, pelo menos no actual estado da investigação, e pareceu-me oportuno o ponto que é consagrado às descrições.

Ver-se-á perante a actividade de perguntar e escutar respostas se a descrição tem primazia. Em que momentos ela se interrompe e possa vir a seguir a ser retomada.

Sugeri nesta parte da sua exposição que experimentasse uma outra variante conhecida como testemunho. Quem testemunha fala durante um certo tempo sem interrupções sobre um determinado assunto. O testemunhador conduz e executa o que consegue dizer. Não tem bordões nem interrupções. A preparação para esta acção exige enorme disciplina e seriedade. Tal não significa que a pessoa em questão não forneça leitura de si mesma em várias direcções. Esta alternativa não ocupa o lugar da entrevista. Ambas são muito úteis.

Citei como exemplo o trabalho do coreógrafo e bailarino Mário Afonso e do seu projecto Prata da Casa. Este projecto recupera os testemunhos de muitos dos artistas que trabalham em dança, em Portugal, a partir dos anos 70 do século passado. Com a Prata da Casa, Mário Afonso constitui um arquivo on line de interesse público.

 

https://www.cartabranca.pt/category/prata-da-casa/

https://www.cartabranca.pt/prata-da-casa-janeiro-2016/

 

Maria João Vicente encontra-se numa fase de aproximação às vertentes do seu projecto de doutoramento que ainda não intimida. Procurar é uma óptima acção que por enquanto não obriga a tomar decisões, embora permita ir fazendo pequenos ajustes nas direcções já conhecidas, mas também naquelas que se tornam inesperadas.

A aluna tem um plano de estudos ligeiramente diferente do dos seus colegas, o que lhe permite ainda uma certa distensão. Apesar disso, o seu projecto está bem delineado e promete não a deixar ficar mal.

A investigadora disponibilizou aos colegas e a mim dois textos:1. Ensaio de Roland Barthes sobre escuta, rubrica Oral/Escrito Argumentação, publicado no volume 11 da Enciclopédia Einaudi, Lisboa: Imprensa Nacional| Casa da Moeda, pp. 137-145, 2. William Shakespeare, Hamlet, Príncipe da Dinamarca, II acto, cena 1, na tradução de António M. Feijó, Lisboa: Cotovia, 2001 (2ª edição), pp. 111 e 113.

Ambos foram abordados nas suas linhas específicas, mais o ensaio de Roland Barthes, como se o excerto de Hamlet, de tão conhecido que é, não tivesse suscitado intensidade na discussão. Talvez o rumo das conversas fosse mais no sentido de explorar o conceito de escuta.

As intervenções dos colegas sobre a proposta apresentada por Maria João Vicente foram bastante entusiasmantes. Claramente a relação com o outro ocupou o discurso de Maria-Josefina Fuentes, dissertando sobre empatia e ressonância. A aluna questionou-se sobre: O que escuto do outro no meu próprio corpo? Ou: Será que o corpo de cada um atende ao lugar do outro? E claramente relacionado com o ensaio barthesiano: O que entendemos por escuta? O que ressoa em nós a partir do outro? A aluna fez ainda uma apresentação de carácter pedagógico e biológico ao mostrar como funciona o esqueleto humano na sua relação com o crânio. Muitas vezes esquecemo-nos do nosso próprio corpo a este nível.

Maria João Vicente reforçou a ideia, já antes amplamente mencionada, da importância de sermos por outros afectados. Como é que isso acontece?

A título de exemplo mencionou o fenómeno da repetição no Teatro. Esta questão levar-nos-ia longe. Optámos por ouvir de seguida o Paúl San Martin. O aluno foi bem directo na sua intervenção dando os parabéns à colega pela sua apresentação e incentivou-a a prosseguir.

Vem a propósito mencionar ao longo de todas as sessões deste seminário, o interesse e a dedicação que os seis alunos mantêm entre si, procurando sempre completar o que dos seus pontos de vista possa ser útil aos trabalhos uns dos outros. Nesta dádiva permanente se verifica como a tal atenção aos outros está aqui plasmada.

De Paúl escutamos ainda algumas interrogações sobre o actor, sobre o público. Como se levantam as informações?  E a propósito do título (ainda provisório, como refere MJV) do trabalho, Paúl San Martin cita leituras: Deleuze em Différance et Repetition, Kierkegaard em Deleuze. E na sequência da sua intervenção menciona uma expressão muito apropriada e qualitativa: «forças fracas».

Maria João Vicente continua a interrogar-se sobre questão central para ela, relacionada com o facto de quem faz teatro o poder pensar em simultâneo.

Recomendo a todos, à Maria João Vicente em particular, a leitura de : Luis Miguel Cintra Cinema, edição da Cinemateca Portuguesa,2020; entrevista em E-Revista, Expresso,1.5.2021 e entrevista em Sinais de Cena, Série II nº 5, Abril de 2021.

Rocio Perez acrescenta pensamento sobre a relação entre encenador e actor, baseando a sua opinião na possibilidade de capturar a viagem entre a palavra e a escuta do actor (de novo Barthes) que se inspira na experiência de vida humana.

Patrícia Anthony recupera de suas memórias a capacidade de ser boa contadora de histórias. Salienta o trabalho político como viagem interna do actor, a que acrescenta e dentro de contexto, a importância de estabelecer parâmetros entre individualidade e colectividade (associado também ao trabalho de MJV). Brecht vem a talhe de foice e a defesa de que os actores são operários do movimento de teatro independente. Talvez tenham sido, direi eu. Hoje deixou de haver essa sintonia.

Eliane Ramin concentra o seu discurso na função de actriz, na compreensão de como é a pessoa que está por detrás da personagem. Como se processam as vivências do actor através da memória.

 

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