O que nos diz o nosso corpo?
5 Abril 2021, 10:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
ABRIL 2ª FEIRA 9ª AULA
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Recebemos hoje a exposição e diapositivos comentados por Rocio Perez como uma sequência de exercícios práticos de questionação e entendimento sobre o corpo, suas emoções, sentimentos e consciência. Resultando esta apresentação de diversos trabalhos oficinais realizados com formandas, verificámos encontrar-se a investigação em processo, se bem que a doutoranda fosse alargando o seu campo investigativo a testemunhos das alunas com quem trabalha e igualmente socorrendo-se do pensamento de António Damásio para formular conceptualização.
A apresentação foi muito estimulante, em particular, pela valorização de alguns dos exercícios como o que foi realizado com o gelo e a que tivemos acesso por imagens visuais.
Para a pesquisadora é essencial que nos “deixemos tocar pelos sentidos” e que na sua companhia e presença possamos fruir a experiência artística partindo da consciência do corpo de cada um. Esta proposta que parece ser acessível como descrição corresponde a um universo muito mais complexo do que a realidade linguística deixa antever.
Neste contexto faria referência a leitura de Damásio, que Rocio Perez menciona e mostra, mas sem indicação bibliográfica, presente agora em A estranha ordem das coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, pp. 181-192, e que nos faz tomar consciência de que afinal existem dois sistemas nervosos e não um: o sistema nervoso central e o sistema nervoso entérico, também designado como sistema nervoso periférico.
Trago a terreno este assunto por me parecer que a linguagem extremamente poética de Rocio Perez na sua apresentação parece desconhecer o comportamento do corpo nas suas mais elementares condições e a que Damásio se reporta: «(…) a função do sistema nervoso entérico está, em grande medida, sob o seu próprio controlo. O sistema nervoso central não diz ao sistema entérico o que fazer, nem como fazê-lo, mas pode modular as suas operações. Em resumo, existe uma troca contínua entre o sistema nervoso entérico e o sistema nervoso central, embora o fluxo de comunicações se verifique, geralmente, dos intestinos para o cérebro «superior». (p. 190) O conhecimento desta realidade corporal poderá fomentar novas possibilidades de leitura das imagens (diapositivos 2, 4, 9, 10, 11, 12, por exemplo) que vimos na apresentação de Rocio, nomeadamente aquelas que exprimiam a sensação de frio, de tristeza.
Ainda com Damásio: «Ultimamente o sistema nervoso entérico tem vindo a ser referido como «segundo cérebro», uma honrosa classificação que se deve à grande dimensão e autonomia do sistema. No estado atual da evolução não há qualquer dúvida de que o sistema nervoso entérico fica atrás do cérebro «superior» em termos estruturais e funcionais. Todavia, tudo indica que, historicamente, o desenvolvimento do sistema nervoso entérico terá precedido o do sistema nervoso central. Há bons motivos para que assim tenha sido isso, todos relacionados com a homeostasia.» (p. 190)
E que sistema nervoso é este responsável, tal como aquele que aprendemos a conhecer como sistema nervoso central, pelas relações entre o corpo e o cérebro? Este é aquele sistema «que regula o tubo digestivo, desde a faringe e o esófago até à outra extremidade.» (p.189) Tratado até muito recentemente como «periférico» este sistema nervoso «não é periférico mas central!» (p. 189)
Talvez Rocio possa reflectir sobre estes aspectos centrais do corpo quando estiver a realizar exercícios com as suas alunas. A distinção entre os diversos estádios de emoção, sentimentos e humor. Falo aqui dos humores do corpo no seu trânsito gastrointestinal.
Certo é que a sua apresentação nos conduziu para obra de arte que resultou do trabalho com as suas discípulas e que nos surpreendeu.
Assumido como exercício prático, tivemos oportunidade de acompanhar processos evolutivos e resultados de experiência.
Diz-nos ainda Damásio no subcapítulo O lugar dos sentimentos: «Localizamos a dor, o que útil, evidentemente, mas não menos importante, a resposta emotiva à dor sentida e que atrai toda a nossa atenção. Parte da nossa interpretação e quase toda a nossa reação depende do sentimento. Reagimos em conformidade e, se possível, avisadamente.» (p. 193)
Participativa foi a discussão em torno do trabalho de Rocio Perez. Eliane Ramin referiu o seu processo de actriz-directora cénica acentuando a importância do teatro enquanto processo para salientar a dimensão terapêutica do mesmo. Maria Josefina Fuentes centrou-se especificamente no processo de investigação e no trabalho com a memória emotiva, criando um fluxo de atenção nesse trabalho. Maria João Vicente salientou o trauma como ponto de partida e a consciência da afectação na tomada de consciência do corpo em transformação e como ele é ao mesmo tempo veículo de tradução. Acrescentou a aluna ainda a importância de preparar um laboratório como possibilidade de construção entre proximidade e distância. Patrícia Anthony centrou-se na questão pedagógica desta experiência, inquiriu Rocio sobre a duração de cada laboratório e o número de participantes que nele agem.
A referência do corpo como arquivo foi também levantada no âmbito da discussão.
Deixei uma pergunta à assembleia: Como se escuta um corpo interno?