Como chegar à pintura de Kandinsky

2 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

OUTUBRO                                    3ª FEIRA                               5ª Aula

 

2

 

1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

 

Concluímos o visionamento do DVD dedicado à mostração e ao comentário de obra plástica de Wassily Kandinsky. Produzimos algum discurso solto e espontâneo sobre representações das várias fases da pintura do artista russo, assinalando a complexidade que é estarmos quase desarmados perante o que vemos, porque opomos resistência mental à não referenciação figurativa, sempre a medo de que o que possamos dizer não encontre correspondência no que observamos e é desconhecido e inesperado. E afinal o que observamos possui uma concretude específica – a geometrização das formas dá vida a cores e as cores saltam da tela produzindo em nós sensações inesperadas. Talvez seja por aí que devamos ir.

Kandinsky escrevia sobre si próprio, em 1928, no catálogo da Exposição Outubro:

«Não desejo que os meus trabalhos sejam compreendidos em termos de “princípios” (a ‘pintura abstracta’ é ou não justificada?).

Não desejo ser considerado

         um “simbolista”

         um “romanticista”

         um “construtivista”

Ficaria plenamente satisfeito se o espectador conseguisse  v i v e n c i a r  a  v i d a  i n t e r i o r das forças vivas de que me servi, as suas relações, que fosse capaz de caminhar de um quadro para a outro, e conseguisse descobrir em cada ocasião

          Um conteúdo pictórico diferente.
A questão da forma não é apenas interessante; ela é extremamente importante, mas não cobre a arte enquanto tal.
Quem se satisfaça com a questão da forma permanece na superfície.

Outubro de 1928.» (Lindsay/Vergo, 1994: 730)

 

No final da vida, Kandinsky incorpora na sua pintura motivos da biologia: pequenos protozoários, embriões, larvas, invertebrados, como a amiba unicelular (ver Bleu de ciel, 1940, óleo sobre tela, 100 x 73 cm ou Composição IX, óleo sobre tela, 113,5 x 195 cm), criando relações isomórficas entre esses pequenos seres e toda uma paisagem de formas abstractas intensificadas pela cor.

Poderemos contentar-nos com um primeiro olhar? Kandinsky suscita em nós um tempo de demora, uma disponibilidade extraordinária que deveria ser em nós natural.

 

O aluno Guilherme Marques tornou relevante a condição musical, rítmica, modulatória, explícita de algumas das obras de Kandinsky, quer pela presença de símbolos musicais, quer pela natureza das composições.

Lembramos que a designação de obras como impressões, improvisações e composições (Kandinsky, 1991. Do Espiritual na Arte, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 122-124) remete claramente para o universo musical, conhecido e exercitado por Kandinsky ao longo da vida. Consultar a propósito:

http://www.arte.com.pt/text/filipag/musicakandinsky.pdf

 

Escolheu entretanto o aluno Painting with houses (Bild mit Häusern, 1909) para um breve comentário. Foi pelo nosso aluno salientada a transição entre figurativo e abstracto, questão pacífica na reprodução. Mas mais do que isso, pudemos sentir a placidez do conjunto pictural, a harmonia das formas (já em evolução de pincel cheio e alinhamento repetitivo) e das cores intercaladas e em plano sequencial, constituindo a organização do espaço nesta imagem.

Questionámo-nos ainda sobre a figura que ocupa, em primeiro plano, o canto inferior esquerdo (um monge, disseram alguns alunos, e poderia sê-lo), pintada em vermelho aberto e numa postura corporal de recolhimento. Em contraponto e no canto inferior direito, encontrámos uma figura na mesma posição da anterior, mas escurecida por cores sombreadas. Uma espécie de ser indistinto.

Simbolizarão estas figuras a vida e a morte? Entre elas não parece existir qualquer contacto, sendo antes essa relação expressa por um processo sequencial inadiável e incontornável. Talvez esta pudesse ser uma hipótese interpretativa, que não excluiria quaisquer outras.

 

As alunas Bruna Brissos e Sofia Pereira seleccionaram respectivamente Improvisação 26 (1912) e On the points (Auf Spitzen, 1928), aceitando comentar as imagens escolhidas.

No caso da Improvisação 26 poderíamos recuperar o que Kandinsky afirmou sobre este subgénero pictural:

«2. Expressões inconscientes na sua grande parte, e geralmente súbitas, de processos de carácter interno e, portanto, impressões de «Natureza Interior». A estes quadros chamo Improvisações.» (Kandinsky, EA, 1991: 123.) De que modo esta formulação encontra correspondência na obra mencionada? Como nos poderemos defender de cairmos sempre no mesmo processo mimético? De que modo o que vamos descobrindo na tela (e cada um deve saber como lá chegar) produz em nós um efeito? E no caso de Bruna Brissos produziu vários, por exemplo, o ter detectado na tela um motivo recorrente (os remos de um barco), mas também o ter sido sugestionada pelas manchas de cor, ou ainda por ter descoberto um pássaro inesperado.

Porque a nossa interioridade é convocada na sua qualidade estética e emocional é que podemos passar a ter vontade de produzir interpretação. Nenhum de nós tem à força de descobrir nada. E todos produziremos sempre resposta diferentes. Esse é o benefício da arte abstracta. A capacidade de imaginar (de nos espantarmos e de nos querermos interrogar) é a melhor maneira de não ficarmos pela superfície das coisas.

Felizmente somos livres de descobrir em obra de Kandinsky o que ele próprio não colocou intencionalmente das suas telas.

Após intervenção entusiasmada e explicativa da relação entre cor e forma da vossa colega que escolhera a obra On the points (1928), e após termos ainda feito um comentário sobre o equilíbrio ou sua ausência proporcionado por triângulos e círculos configurados como instáveis, e o que é que isso poderia querer dizer, recordo o caso do nosso aluno Ricardo Simões que nos informou de que essa tela adquirira para ele um duplo significado: uma explosão e um ramo de flores.

Nada estaria mais próximo do pensamento kandinskyano.

 

Encerrámos a aula com a audição de partitura original da autoria de Marcus Mota para a Composição VIII de Kandinsky.

Este professor e compositor, que dirige o Laboratório de Dramaturgia e Imaginação Dramática (LADI) na Universidade de Brasília, tem em desenvolvimento um projecto de criação musical para todas as Composições do artista russo.

 

https://www.youtube.com/watch?v=JM1Hv2fSjok (Composição VIII)

 

https://www.youtube.com/watch?v=BvT0nmWXFnA (Composição VI)

 

https://www.youtube.com/watch?v=-Ph550fz94c (Composição IV)

 

Nota breve:

Pede-se aos alunos que leiam para amanhã as duas Composições para Palco: Noite e Apoteose

 

Referência bibliográfica citada:

Wassily Kandinsky, Statement in the Catalogue of the October Exhibition, Galerie F. Möller Oktober-Ausstellung (Berlin), 1928 in: Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo (Ed.), Kandinsky – Complete Writings on Art, New York, Paris: Da Capo Press, p. 730.

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.

 

http://www.arte.com.pt/text/filipag/musicakandinsky.pdf

 

 

DVD visionado:

Wassily Kandinsky, Artists of the 20th Century, Kultur International Films, USA, 50’, s. d..