Natureza e Virtude

4 Dezembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

 

DEZEMBRO                                               3ª FEIRA                                           21ª Aula

 

 

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Woyzeck (1836) de Georg Büchner na versão cénica de Thomas Ostermeier

 

Dei aos alunos a possibilidade de escolha entre um DVD de uma encenação de Woyzeck pelo alemão Thomas Ostermeier, espectáculo apresentado no Festival de Avignon em 2004, e um filme de 1993, também em DVD, do realizador húngaro Janos Szasz, inspirado na mesma obra dramática.

Tornou-se difícil a escolha porque o número de alunos que se decidia pelo primeiro objecto artístico foi igual ao que escolheu o segundo.

Argumentei, na esperança de desempatar o resultado a favor do trabalho de Ostermeier, explorando o facto de que ver, mesmo que em DVD, uma encenação de Woyzeck, sob o espírito e o conhecimento de alguém proveniente da cultura alemã contemporânea, poderia tornar-se pertinente para a aferição de um gosto estético que actualizava as questões sociais e políticas do tempo de Büchner, oferecendo-lhes ao mesmo tempo uma matriz de absurdo e violência, de superficialidade de valores com que nos debatemos também hoje em dia.

Argumentei ainda que a observação de obra cénica poderia despertar nos alunos a vontade de porem à prova a existência de conhecimentos adquiridos e trabalhados na área de diversas linguagens ao dispor da análise teatral. Igualmente por este motivo, estaríamos em território mais favorável à nossa sensibilidade do ver em cena o texto de Büchner. Tinhamos conhecimento da génese desta obra e das sérias dificuldades que ela causara ao longo de mais de um século a estudiosos de dramaturgia, com vista a uma potencial fixação e ordenação de cenas que pudessem corresponder à vontade do dramaturgo.

Ressalvo agora e ainda o facto de que esta liberdade de escolha entre percursos possíveis na ordenação das cenas dos quatro manuscritos a que tivemos acesso, e que nos permitem entrada nas opções com que Büchner estava a construir ao sua peça, não significa que não encontremos uma estrutura base para a história que o autor alemão nos quer contar. Por exemplo, iniciar a peça com a cena entre Woyzeck e o Capitão, como encontramos no filme de Werner Herzog, e abrir a mesma peça com o diálogo entre Woyzeck e André, como acontece na encenação de Ostermeier que pudemos ver e na versão cénica de Nuno Cardoso que pudemos ler, altera de imediato o nosso ponto de vista sobre as motivações subjacentes às opções. No primeiro caso, o do filme de Herzog, somos confrontados com um discurso e acção próprios de um sistema institucional e hierárquico observado do ponto de vista privado (Cena 9). O que se passa nessa cena decorre de uma actividade regular praticada por Woyzeck – barbear o seu capitão – no estrito respeito pela posição de cada um. Apesar disso, podemos ainda apreciar a destreza com que Woyzeck manipula a lâmina de barbear, uma potencial arma branca que não é utilizada por Woyzeck contra o seu Capitão, nem como expressão de revolta pela sua condição de pobre. A arma branca, uma faca, será a arma do crime contra Maria (Cena 31). É contra quem mais ama, à sua maneira peculiar, que Woyzeck virará o mundo que ele sente que o despreza e o humilha.

Curiosamente é ainda nesta cena entre Woyzeck e o Capitão que os dois discutem a forma como pode o tempo ser utilizado. A aceleração em que Woyzeck vive dá da personagem um duplo entendimento: acelerar pode significar fazer mais coisas, ter melhores condições de vida para proporcionar bem-estar à sua família (perspectiva de sobrevivência social e económica); viver em aceleramento potencia o desequilíbrio mental e físico da personagem tornando-a inoperante face aos desejos e objectivos que se propõe alcançar. Apercebemo-nos então de que temos perante nós alguém cujo sofrimento nos causa compaixão e esse ponto de vista acompanhar-nos-á até ao fim (?) da peça.

Problematizamos a existência de um crime, em que não está em causa a questão de prova, mas antes o nosso directo envolvimento como seres sociais. Também nós poderemos ser Woyzecks, Marias, Capitães, etc..

Neste contexto é tão importante a proposta de Herzog que segue uma estética realista como a proposta de Ostermeier que é grosseiramente realista.

 

DVDs visionados

Werner Herzog, Woyzeck, 1979.

Thomas Ostermeier, Woyzeck, Festival de Avignon, 2004.