O estranho e o conhecido em O Papalagui e em A Sagração da Primavera

16 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      3ª FEIRA                                          8ª Aula

 

16

 

 

2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Abrimos os nossos trabalhos com a leitura de passagens do livro O Papalagui (homem branco), obra emblemática de um olhar exterior ao mundo europeu e ocidental protagonizado pelo chefe da tribo Tuiavii do território de Tiavéa nas ilhas da Polinésia, quando aceitou visitar a Alemanha nos finais do séc. XIX.

Os seus relatos, originalmente apenas dedicados aos seus compatriotas, vieram a ser publicados pelo antropólogo Erich Scheuermann que trabalhou com esta tribo.

O nosso propósito de leitura de excertos desta obra estava associado ao comportamento de gatos na Composição para Palco Noite de Kandinsky. Comprováramos que o discurso dos felinos assumira uma postura mais humana do que eram capazes os próprios humanos. Foi o tom crítico utilizado pelos animais face ao discurso e comportamento do seu dono que nos conduziu a O Papalagui.

Em ambos os textos gera-se uma atitude de espanto e incredulidade face ao que é observado.

 

Prosseguimos a nossa aula dando atenção às características intrínsecas da coreografia original de A Sagração da Primavera de Vaslav Nijinsky, na reconstituição de Millicent Hodson.

Foi alvo do nosso comentário o facto de um espectáculo que causara, em 1913, indignação e perturbação no público em geral, presente no Teatro Châtelet em Paris, devido à sua concepção experimental e vanguardista tanto na partitura como na coreografia, se basear em aspectos e fenómenos relacionados com a tradição cultural russa muito anteriores ao período pré-cristão.

Constatámos, por exemplo, que a coreografia não era suportada por uma história que o corpo narrasse. Em seu lugar encontrávamos uma estrutura musical de suporte dividida em duas partes – A adoração da Terra e O sacrifício – a partir dos quais tinham origem os diversos quadros dançados pelos bailarinos. Cada uma destas partes correspondia a momentos ritualísticos integrados no viver pagão de tribos russas (representadas pelas duas cidades em confronto) do norte desse território. As práticas anunciadas e desenvolvidas pela coreografia e pela música encontravam ainda suporte em figurinos que mais não eram do que vestes tradicionais desses povos multi-seculares. Onde estaria então o vanguardismo? O que teria causado tanta polémica? Este modelo estético ancestral não era reconhecível em objectos coreográficos aceites há muito (desde o séc. XVIII) pelo público de época. O antigo transformava-se em contemporâneo produzindo inesperada rejeição. Stravinsky e Nijinsky tinham operado conceptualmente num processo de recuperação de tradições que continham em si a possibilidade de inovar partindo do que existia há muito. A rejeição deste modelo tinha como princípio o desconhecimento cultural do público da realidade regional e comportamental do norte da Rússia. A não ser esta a razão justificativa da recepção do espectáculo, poderíamos considerar que o hábito de ver ballet nas salas europeias do início do séc. XX não comportaria padrões que pusessem em causa o que era conhecido e aceite. A «preguiça» mental dos espectadores superava a apetência por se abrirem repentinamente à contemplação e à audição do novo antigo.

 

Visionámos a coreografia de Sasha Waltz para A Sagração da Primavera um século após a apresentação do primeiro espectáculo.

Em 2013, e nós em 2018, o que poderemos dizer desta nova concepção artística?

 

Com a memória dos dois espectáculos procuraremos questioná-los na próxima aula, a partir da respectiva especificidade artística. Stravinsky continua vivo. Nijinsky deu lugar a Waltz. O que terá mudado?

 

 

Leitura sugerida:

Erich Scheuermann (recolha textual), (2ª edição) 1983. O Papalagui – Discursos de Tuiavii Chefe da tribo de Tiavéa nos mares do sul, Tradução de Luiza Neto Jorge, Lisboa: Edições Antígona.

 

100 anos depois

A Sagração da Primavera - Coreografia de Sasha Waltz (2013)

 

https://www.youtube.com/watch?v=_QZXrPJGLJ0