Dançar sobre a morte

29 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Completámos com noBody o visionamento do tríptico (2000-2002) de Sasha Waltz dedicado à afectação do corpo-matéria pelas emoções e pensamentos nele suscitados e que a dança traduz. Nestas coreografias é trabalhada a ideia do corpo como um sistema que propõe diferentes abordagens. Nas três coreografias está patente a imediata relação Corpo-Espaço através do povoamento e uso da monumental sala principal da Schaubühne am Lehniner Platz em Berlim. Este espaço nunca antes fora utilizado na sua totalidade, abrindo então à concepção coreográfica uma oportunidade mais abstracta de criação. Apesar da evidente tendência para o abstracionismo, para a amplificação do movimento composicional no espaço, Waltz nunca abandona a materialidade dos corpos dos seus bailarinos e as suas potencialidades. Daí que os vários desenhos que constroem estas coreografias nos permitam acompanhar a perspectiva de altura e profundidade de modo muito diferente daquele que encontramos numa sala de teatro habitual.

Para além da relação Corpo-Espaço, comum às três coreografias, Körper oferece ainda duas específicas abordagens de que não nos devemos alhear: Corpo e Medicina (a compreensão do corpo através do recurso ao progresso científico e à aplicação de instrumentário tecnológico que fazem face ao envelhecimento); Corpo e História, inspirada pela experiência artística em museus, em especial, no Museu Judaico em Berlim.

Com S nasce uma visão da dança waltziana mais poética e íntima, seguida da criação de um universo imagético baseado em desejo e referenciação ao mundo natural em que o corpo se apresenta amoroso e onírico mas sempre também conflituoso.

noBody nasce como uma coreografia de grande exigência física e paradoxalmente como uma peça que equaciona a perda do corpo, a perda da vida. A coreografia tem um inquestionável valor próprio apesar de termos partilhado informação pública sobre um episódio da vida pessoal da coreógrafa: o efeito da morte inexplicável da sua mãe, que potencia a referencialidade da obra. Confrontamo-nos então com o Corpo-dor, com o Corpo-luto, com o Corpo-inexistência. (noBody).

 

Vídeo visualizado:

WALTZ, Sasha & Guests, noBody, ARTHAUS MUSIK, 2011, 85 min. + 8 min. (bónus) com legendas em inglês, alemão, francês e espanhol.

 

SCHLAGENWERTH, Michaela 2008, NAHAUFNAHME SASHA WALTZ, Gespräche, Berlin: Alexander Verlag, p. 65. (Tradução em aula da reflexão de Sasha Waltz sobre a principal motivação que contribuiu para a criação desta sua coreografia)