O enigma de uma frase

27 Setembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Prossecução do comentário à obra Gaspar de Peter Handke na perspectiva da construção textual e do que ela implica para o leitor. A apresentação gráfica da obra como modo de provocar exigente esforço no leitor, que é obrigado a afastar-se de um procedimento de rotina – ler página a página didascálias e texto a ser dito -, para se adaptar à leitura por colunas que implica um procedimento de atenção mais exigente.

 

Questionação sobre o comportamento do protagonista Gaspar, única personagem em cena, a partir do seu comportamento físico em relação a objectos, que não são por ele reconhecidos pela sua funcionalidade mas como representação extensiva de um conflito interior da personagem.

Paralelamente Gaspar preserva com muito cuidado uma frase: «Gostava de vir a ser como alguém que já em tempos existiu.» Esta frase é em si enigmática. Primeiro porque ela contraria a ilogicidade da aprendizagem que Gaspar faz da linguagem por estimulação dos pontos-instrutores (não-personagens mas vozes); segundo porque a frase parece estar inteiramente incorporada em Gaspar, dele fazendo parte em termos físicos, emocionais e racionais; terceiro porque a frase cria uma relação entre passado e futuro e é nesse sentido um instrumento precioso de activação da memória. Só não sabemos o que ela representa num contexto histórico-cultural, de vivência pessoal, e como ela se presentifica, única e isoladamente, como uma espécie de bordão e apoio afectivo; quarto porque a lógica de construção da frase nos faz pensar que Gaspar aprendeu a falar como nós, por etapas de evolução linguística. A frase é perfeita.

 

Criação de pequenos grupos de trabalho que irão inquirir, capítulo a capítulo, a obra de Anselm von Feuerbach, Caspar Hauser, o único documento histórico-científico e biográfico que o dramaturgo Peter Handke terá consultado para a escrita da sua peça.

 

 

Leitura recomendada:

HANDKE, Peter 1974, Gaspar | Grito de Socorro, Tradução de Anabela Mendes, Colecção Teatro Vivo, Lisboa: Plátano Editora.

FEUERBACH, Anselm 1833, Caspar Hauser – An Account of an individual kept in a dungeon, separated from all communication with the world, from early childhood to about the age of seventeen

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