A antropologia da arte: Hans Belting.

16 Fevereiro 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Hans Belting, o conceito de antropologia artística e outros contributos para o modo de ver as obras de arte. 

Hans Belting nasceu a 7 de Julho de 1935 (Andernach) e é reconhecido especialista em arte medieval e renascentista, no tempo das Reformas católica e protestante, e sobre Teoria da Imagem e da Arte Contemporânea. Leccionou nas Universidades de Munich, Heidelberg e Hamburgo. É Prof. Jubilado pela Hochschule für Gestaltung de Karlsruhe, onde criou o projecto de investigação interdisciplinar Antropologia da imagem: meio-imagem-corpo. Tendo iniciado os estudos no campo da arte bizantina e medieval, cedo se abriu à arte moderna e contemporânea, das artes não-Ocidentais e das imagens da era digital. É autor de ensaios e livros essenciais, como Das Ende der Kunstgeschichte ? (O Fim da História da Arte ?, 1983-1995), Bild und Kult. Eine Geschichte des Bildes vor dem Zeitalter der Kunst (Imagem e Culto. História das imagens antes da época da arte, 1990), A Imagem Verdadeira (trad., Dafne, 2011), Florenz und Bagdag (2008) e co-editor de The Global Contemporary, and the rise of new art worlds (2013). Começou como especialista em pintura medieval e bizantina, e toda a sua obra trata de questões relacionadas com a imagem. Este enfoque levou-o a avançar pelo Renascimento e o Barroco, desenvolvendo uma reflexão própria sobre a teoria da imagem e a teoria da arte, com os seus prolongamentos na própria arte contemporânea. •Estudou História da Arte, Arqueologia e História nas Universidades de Roma e Mainz, onde se doutorou em 1959. É hoje Professor jubilado de História da Arte e Teoria dos Media, Hochschule für Gestaltung, Karlsruhe, que ele próprio fundou. Escreveu mais de 30 livros.

Belting demonstra que a nossa percepção das imagens está marcada ainda hoje por uma sobrevivência de noções religiosas derivadas da fé cristã, que teve no Ocidente um papel formador de identidade e de consciência que cimentou uma determinada definição de imagem. Assim, em lugar de seguir uma história linear, opta por meio de sondagens, dando ênfase a dois momentos-chave  da cultura europeia: o fim da Antiguidade, em que a questão da imagem se colocou em debates filosóficos em torno da dupla natureza de Cristo; e a época da Reforma, em que a tradução da Bíblia em língua vulgar e a sua difusão pela imprensa conduzem a uma certa desvalorização ontológica da imagem, mais ligada doravante ao mundo da arte e das teorias estéticas.  A tradição sacra e espiritual das imagens, destinadas sobretudo à conversão pela fé, é pois muito mais que um prelúdio naif da sua complexidade moderna. Neste ensaio, Belting  analisa o arco secular que une a Antiguidade à nossa época,  tratando a História, a Religião, as Imagens e as Ideias como um todo.

Na sua obra mais recente, Florença e Bagdad, Hans Belting desenvolve um confronto entre as atitudes perante a imagem nos séculos XV e XVI entre Constantinopla, capital otomana, e o Renascimento cristão, e não se contenta em explicar a atitude crítica do Islão face às imagens em nome do interdito religioso e do combate à idolatria, mas fazendo intervir as especificidades estéticas, sociais e científicas dessa cultura, em oposição à cultura do Ocidente, através de uma fascinante interpretação, que abre portas aos estudos integrados de História da Arte.     No limiar da Idade Moderrna, a imagem oriunda do Ocidente cristão vai contituir-se através de uma intensa troca com a ciência e a cultura árabes. Mas o olhar perspéctico, uma das invenções do Renascimento, estará na origem de uma ruptura sem precedentes. O olhar que a arte islâmica exprime é em absoluto diferente: não está ligado a um espectactador nem ao lugar que este ocupa no mundo, mas visa, sim, aproximar-se do irrepresentável, o inominável, ou seja, aquilo que existe de mais profundo e intenso. DizAnthony Pagden (Mundos em guerra: 2500 anos de conflito entre o Ocidente e o Oriente, Ed. 70) que com a queda de Contantinopla em 1453 pelo Sultão Mehmed II se torna clara do outro lado dos Dardanelos “a percepção de que a Cristandade na parte oriental desaparecera de vez. No seu lugar, encontrava-se a potência mais imponente a ameaçar as liberdades dos povos da Europa desde Xerxes”. Mehmet II (1432-1481) intitula-se Kaiser-i-Rumi , o César dos Romanos”, e em 1480 fez questão de ser retratado por um pintor europeu, o veneziano Gentile Bellini,  enviado a Constantinopla, a capital otomana, pelo governo da República do Adriático. O quadro tem uma atmosfera de consagração e apoteose:  Imperator Orbis. Mehmet sonhou abrir a corte à arte ocidental,  em tentativa frustrada o conceito de retrato à europeia e com perspectiva foi, a curto trecho, rejeitado… Nota Belting que Mehmed II promoveu  a tolerância religiosa, tentou uma abertura à cultura do Ocidente, e quis-se retratar à europeia (chmando Bellini), ainda que o gosto pelo arabesco otomano não tivesse igual acolhimento na Europa. Alimentou o sonho de uma coexistência pacífica e criou círculos cortesãos de latim, literatura e arte na corte de Constantinopla. A arte do retrato europeu exigia a mirada frontal, rejeitada na tradição otomana, o que levou Bellini a tentar um compromisso. O quadrinho (Nat. Gallery9 tem legenda em árabe: «É obra de Ibn Muazzin, que foi um dos célebres mestres dos francos». Também destaca Belting que, mesmo adaptando o retrato ao modo otomano, Bellini pinta o sultão de perfil prescindindo de toda a simbologia que implique a perpectiva,  valorizando a cor e a luz, numa estratégia oposta ao realismo ocidental.  O que importa no mundo islâmico nas coisas visíveis é a cor e a luz, tudo o mais é mera dedução, dizia já Ibn-al-Haitham (Alhazén) (965-1040) no Kitáb-al-Manãzir... A lição prossegue em torno deste e outros livros de H. Belting)