Danto: uma introdução ao conceito de ArtWorld.
25 Março 2021, 15:30 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Visto que a criação ex-nihilo está reservada aos deuses - categoria em que o artista não se enquadra --- o homem comum não cria a partir do nada. Como tal, existe toda uma história por detrás de toda a criação artística. Sendo o nosso foco temporal de reflexão o período contemporâneo, e, principalmente, a arte realizada nos dias que correm, abrimos a abordagem vendo a posição que a arte tem neste mesmo período, partindo do conceito de Artworld, o “mundo da arte”, tal como o definiram e caracterizaram Arthur C. Danto e que noutros autores é completado, procurando definir a natureza da obra de arte, ou seja, chegar às determinações que vigoram hodiernamente.
“Entendo aqui, por útil, o conceito operatório (Artworld) utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte e os públicos.” (Serrão, 2016: 585).
A partir de Arthur C. Danto percebemos que não existe, a priori , nenhuma barreira formal à apresentação de obras ao mundo. A categoria de Artworld tem importância maior do que as concepções de outros autores. Ela engloba em si todas as formas de arte, pois não há nada que impeça teoricamente o cruzamento das artes. A divisão de George Dickie (Public Artworld) diz-nos que cada área tem elementos e regras específicas, o que não é de todo mentira. Contudo, no pensamento hodierno essa divisão cada vez se torna mais ultrapassada. Certo está Howard Becker (Mundos da Arte) quando realça a carga de cooperação entre os vários Mundos da Arte, e através dele conseguimos vários elementos para pensar a produção artística. Ao ponto na vida prática do artista, ponto em que decide expor, chamamos: momento de exposição. O juiz só falará depois de exposto o caso; para o réu se defender tem de contratar advogado e em cooperação terão de construir os seus argumentos. O artista, antes de sair para o mundo, forma a sua identidade, busca, obtém parcerias, procura formação, desenvolve técnicas. De forma leviana se afirma que o artista pode fazer o que bem entender e só depois terá sucesso em função do mundo da arte. Interessa-nos explorar esse tempo que o artista percorre até chegar ao momento de exposição.
Howard S. Becker: “…temos uma noção da organização dos mundos da arte que parte do mero bom senso: eles existem de tal modo que alguns dos seus membros são considerados pela maioria das pessoas interessadas como mais habilitados que outros para falar em nome desse mundo da arte. As pessoas interessadas são as que participam nas actividades cooperativas onde as obras desse mundo são produzidas e consumidas. Os membros deste modo habilitados podem ser considerados como tais em virtude da sua experiência, porque possuem um dom inato para reconhecer a arte, ou porque aquele é o seu trabalho e porque devem estar bem preparados para o saber. Pouco importa a razão. O que lhes permite estabelecer e afirmar a distinção é a autoridade que os participantes lhes reconhecem de comum acordo.” (Becker, 2010: 142)… Mas Becker não deixa de seguir a mesma linha de pensamento, atribuindo a responsabilidade da reputação de um artista ao trabalho coletivo no seio dos mundos da arte: Para que as reputações se imponham duradouramente, os críticos e os estetas devem estabelecer teorias da arte e critérios que permitam reconhecer a arte, a arte de qualidade e a grande arte. Sem tais critérios, ninguém poderia formular juízos acerca das obras, dos géneros e das disciplinas que, por sua vez, determinam os juízos dos artistas.(Becker, 2010: 293). A filosofia da arte, a estética e a teoria da arte em geral desempenham um papel
de relevo no estabelecer dos critérios de Becker. No entanto, falam só do que é visto, abordam aquilo que, em diferentes intensidades, já existe e se encontra no mundo da arte. A sua teoria é muito interessante por tentar chegar ao pano de fundo do mundo da arte. Ao contrário de Danto, que filosoficamente define uma categoria universal para compreender o estado da arte no mundo contemporâneo, Becker fá-lo sociologicamente, dividindo e analisando cada parte desse mundo artístico nesta mesma era. Dessa forma, surge a pluralização: mundo(s) da arte, analisada com carga empírica forte. Para ele não existe só um mundo da arte. Becker encaixa nos mundos da arte o fabricante de lápis, o crítico, o fabricante de tintas, o pintor, o cineasta; fazendo variar o grau e o impacto da intervenção de cada entidade. Os Mundos da Arte não são só os intervenientes directos, também os indirectos têm papel relevante (Becker, 2010). O importante destas ideias é a interação entre os indivíduos e entidades que formam estes mundos, as relações que fazem a arte surgir e evoluir, como processo constante, acrescente-se: dialético, englobando muitas contradições, sendo o progresso o resultado da resolução dessas contradições. Vamos ao encontro à teoria de Becker que nos diz que a produção artística depende de uma cooperação no seio dos Mundos da Arte. Esta cooperação nem sempre é pacífica, e depende de imensas condicionantes que vão fazer a obra vir à luz do dia de uma maneira e não de outra… “Também nos apercebemos de que os mundos da arte acabam frequentemente por aceitar obras que haviam rejeitado num primeiro momento. De onde se pode deduzir que a diferença não reside nas obras em si, mas sobretudo na capacidade que um mundo da arte tem de acolher as obras e os seus autores” (Becker, 2010: 196).