A Spociologia da Arte e a História da Arte marxista

17 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TEORIA DA ARTE MARXISTA: A IDEOLOGIA IMAGÉTICA.

O quadro 'O Quarto Estado', ou Il cammino dei lavoratori,  pintado em 1901 por Giuseppe Pellizza da Volpedo, pintor italiano formado na academia de Brera  e, depois, em Roma e Florença, constitui um testemunho de pintura realista de signo proletário que permite abrir algumas considerações sobre a Teoria da Arte de signo marxista e sobre a Sociologia da Arte.

A Segunda Globalização (a primeira foi a da era dos Descobrimentos)  -- abriu campo para conquistas e também para reforço da exploração -- é também nova era de esclavagismo, repressão, intolerância religiosa e cobiça desenfreada… Descobrimos mecanismos com objectivos idênticos destinados à apreensão do mundo, à multiplicação do conhecimento em rede, para afirmação de interesses pretensamente superiores, fossem militares, económicos e mercantis, ou valores religiosos. Claude-Gilbert Dubois estudou esse fenómeno, em singular cotejo com a realidade global do novo milénio, encontrando idênticos pressupostos de acção entre a realidade dos séculos XV-XVI e a do dealbar do XXI no uso e configuração de uma dimensão estética. O desabar das experiências realizadas a Leste em nome do Socialismo (onde os princípios da Revolução de Outubro, com sua aura emancipadora, descambaram na deriva totalitária do estalinismo) colocou o mundo face a desiquilíbrios ainda hoje irresolúveis. Num dos últimos ensaios de Hobsbawm, Tempos Interessantes, o historiador analisou este fenómeno e expressou reservas em relação aos modismos históricos recentes, nos contextos do cenário historiográfico exaltando o fim da História e subsequente dependência da cultura à massificação descaracterizadora. Hobsbawm nota como a busca de um vínculo permanente, de uma fertilização mútua entre História, Ciências Sociais e Antropologia Cultural (seguindo o legado de Marx e a sociologia marxista do conhecimento), não tem sido acompanhada no campo dos estudos económicos. Depois de largo tempo em que o conceito de ‘ideologia’ submergiu numa espécie de limbo de fim de História, outros conceitos operativos utilizados pela História da Arte, como ideologia imagética, polemicamente avançado por Nicos Hadjinicolaou , voltam a emergir, revistos e depurados do lastro de um ‘marxismo vulgar’, como úteis para a percepção do  chamado facto artístico.

Quanto a NICOS HADJINICOLAOU, nasceu em  1938 em Salonica, Grécia. É historiador de arte, seguidor da metodologia marxista, professor no El Greco Centre, Institute of Mediterranean Studies, Rethymnon, Creta. Estudou nas Universiidades de Berlin, Freiberg e Munich. Em 1965, em Paris, estudou com Pierre Francastel  na École pratique des hautes études, e com Lucien Goldmann (1913-1970) e Pierre Vilar (1906-2003). A sua tese, La lutte des classes en France dans la production d'images de l'année 1830, inspira em 1973 o famoso livro 'Histoire de l'art et lutte des classes'. Esta obra, Art History and Class Struggle, ...«attacked the formalist approach to art history, fostered by the 19th-century writing of Théophile Gautier (q.v.) and the philosopher Victor Cousin (1792-1867), which Hadjinicolaou characterized as still the dominant approach in the 1970s. He asserted that the production of images was an aspect of class ideology and that art history should be approached from that position. This is a direct application of György Luk�cs (1885-1971) History and Class Consciousness. He has also cited the works of Louis Althusser (1918-1990) and Frederick Antal (q.v.) as influential. His work was criticized by Françoise d'Eaubonne (1920-2005) in her 1977 feminist book, Histoire de l’art et lutte des sexes, contending that gender struggle preceded class struggle». Um ensaio de Vitor Serrão (integrado na colectânea Estudos de Pintura Maneirista e Barroca, Editorial Caminho, Lisboa, Col. Universitária, 1990) reflecte sobre questões de teorização e metodologia da disciplina da História da Arte, a partir do conceito de ideologia imagética proposto pelas teses marxistas do historiador de arte grego Nicos Hadjinicolaou (n. 1938), analisando-se a sua utilidade operativa no caso da História de Arte portuguesa e as vantagens, e também os limites, do seu uso prático.

No campo das artes, Hobsbawm nota como foram muitas vezes rejeitadas pelo público, que não as entendia, e se voltava para a revalorização das obras clássicas, ou para as ‘artes populares’, transformadas e incorporadas pela indústria cultural . A verdade é que o consumidor de vanguarda sempre se situa nas camadas mais prósperas, intelectualizadas (mas não necessariamente mais cultas ou informadas) da sociedade contemporânea, nas quais encontra símbolos indicadores de status, que deixammarca na vida das comunidades. É notório, nesta nova globalização, o que tem de contraditório e descontrolado, com o ascenso de ‘poderes apátridos’ e em que a exploração do homem pelo homem se acentua, a apreciação estética continua presente e a constituir espaço de cultura. Retomando a definição de George Lukács, a apreciação das artes continua a propor reflectir sobre «um mundo essencialmente do plano dos homens que não se confunde com o processo oficializado de ‘estetização’, próprio de uma estética da mercadoria com ênfase no discurso das formas».  A globalização, com suas contradições, derivas totalitárias e aplicações distorcidas, deflagrou um facto inequívoco: as novas possibilidades de olhar e de ver o fazer, pois o papel do singular, o regional, o micro-cultural, assumiram essa possibilidade de se projectarem num plano transnacional – o que vem ao encontro desse desejo profundo da História-Crítica da Arte de encontrar no particular o universal – como diriam Warburg e Panofsky, Deus está no pormenor... No campo específico da História e da Crítica das artes, tal formulação continua a ser válida nos dias globalizados do presente.

Também se alude ao quadro emblemático de Eugène Delacroix (1798-1863), figura-chave da pintura europeia na viragem do neo-classicismo para o Romantismo. Discípulo de Guérin, que segue de seguida Géricault e Gros, na sua busca de uma pintura mais ruptural, socialmente mais interverntiva e plasticamente atraente. Passa a participar nos Salons de Peinture em Paris, a partir de 1824, com  «Massacres de Scio» (Louvre), vai a Inglaterra em 1825, contacta com os meios artísticos (Constable, Bonington), apaixona-se por Shakespeare. De novo em Paris, convive com Merimée, Stendhal, Dumas, George Sand. Em 1831, expõe «Les Barricades» (A Liberdade guiando o povo), eco das jornadas de luta revolucionária de 1830, obra que resume de modo claro a sua abertura ao Romantismo, ligando-o muito a Gros e a Géricault, mas com um registo dramático mais largo, mais épico e transcendente. O quadro, muito estudado por Hadjinicolaou, evoca os acontecimentos de Julho de 1830 em que foi derrubado Carlos X, com a tomada do poder por uma   monarquia burguesa, com Louis-Philippe d’Orléans. Obra polémica, atacada no Salon, ‘Les barricades’ foi tida como ‘muito radical’ ou como muito ‘realista’ devido ao modo como alegorizou a Liberdade, como tratou o colorido (azul, vermelho, branco, cores da Revolução Francesa), a oposição de luz-sombra, o modelo tomado para compôr as figuras populares em luta, etc.  Victor Hugo, no ano seguinte, inspirar-se-á no quadro para começar a escrever um dos seus mais célebres romances, ‘Les Miserables’, só editado em 1862. ‘Les Barricades’ é uma espéce de ‘poster’ político. Celebra o 28 de Julho de 1830 e o derrube dos Bourbons, ou seja, um movimento onde o pintor interveio. Segundo G. C. Argan, a pintura (que inclui um auto-retrato do intor) seria a primeira obra de arte ‘engagée’ da pintura moderna. A LIBERDADE É UMA FORÇA ABSTRACTA, MAIS QUE UMA MULHER-SÍMBOLO: é esse o sentido universal desta Alegoria política.


BIBLIOGRAFIA:

Frederick Antal, Florentine Painting and its Social Background, London, 1948.

Claude-Gilbert DUBOIS, Le Bel Aujourd’hui de la Renaissance – Que reste-t-il du XVIe siècle?, Seuil, Paris, 2001.

Eric HOBSBAWM, A Era dos Extremos, Campo das Letras, 2001.

Nicos HADJINICOLAOU, Histoire de l’art et lutte des classes, Maspero, Paris, 1973.

Idem, Art History and Class Struggle. London: Pluto Press, 1978.

Idem, El Greco. Rethymnon: Crete University/New Rochelle, NY, 1990, vol. 1: Documents on his Life and Work, vol. 2. El Greco: Byzantium and Italy. 1990, vol. 3. El Greco: Works in Spain, vol. 4. El Greco: Altarpieces in Spanish Churches. Rethymnon: Crete University Press, 1999; El Greco in Italy and Italian art: Proceedings of the Iinternational Symposium, Rethymnon, Crete, September 1995. Rethymnon, University of Crete, 1999.