Ainda as teses de Benito arias Montano sobre a bondade das artes e o papel de concórdia e conciliação que cabe ao património artístico.

19 Abril 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O longo tempo do Renascimento é analisado a partir da cultura artística portuguesa do século XVI, à luz das suas pluralidades e à luz do Humanismo, herdeiro das valias antropocêntricas que afirmaram a liberalità, a virtù, a libertà, a dignità, a felicità e a utopia, conceitos fundamentais de viragem civilizacional. A figura do humanista, teólogo, escritor, poeta, bibliotecário Benito arias Montano é ainda analisada a essa luz, entre a Biblia Poliglota e a célebre gravura de 1577 'A Verdadeira Inteligência inspira o pintor'. Também analisamos estratégias de afirmação destes valores no campo das artes, vividas à luz do Humanismo cristão e do novo fenómeno de globalização mundial. As faces do Renascimento abrem-se à Antiguidade e aos Novos Mundos e mudam as relações de trabalho e o mercado das artes, afirmando novo estatuto social ao artista e novas estratégias do pensamento, da criação escrita e da representação do Outro. A análise trans-comparatista e trans-contextual do facto artístico, neste campo, segue o princípio da conjuntura larga para análise dos fenómenos de persistência, revitalização e ruptura nos comportamentos histórico-artísticos. 

O Dr. Arias Montano entrou nas polémicas sobre as origenas e forma do templo de Salomão. Em nome do seu racionalismo exegético, foi pionero em conciliar a arquitectura revelada com a arquitectura do paganismo clássico. Arias Montano, ao contrário de Villalpando, defendeu a ideia de que o Templo de Salomão e o que sonhou Ezequiel eram distintos, sendo o primeiro similar ao que mais tarde reconstruíram Zorobabel e Herodes. A planta do seu Templo está claramente inspirada na de Maimónides, ainda que, diz Ramírez, possa ter havido outra fonte gráfica intermédia. As medidas  mais ou menos calculadas do seu recinto exterior rectangular eram 200x290, con um extranho recinto interior de bases 170 e 194 por 226 de altura. O desenho é frágil, infeior à vista de conjunto e sem qualquer comparação com a altíssima qualidade dos gravados de Villalpando. Como Maimónides, parece diluir ainda mais nos pátios de planta cruciforme das cozinhas dentro dos seus pátios concêntricos.Durante a segunda metade de Quinhentos do século XVI produziram-se tratados sobre o Templo de Jerusalém, alguns deles à revelia do estudo da Bíblia e, por isso, muito discutidos nos círculos intelectuais. Espanhóis, milaneses, flamengos e portugueses intervieram nesse debate, em tempo de Filipe II (1555-1598).As ilustrações do Templo de Ezequiel do teólogo-helenista protestante Sèbastien Castellion ou Châteillon (1515- 63), defensor da tolerância religiosa e opositor de Calvino, defendem a centralidade radial com o Santuário no centro do átrio interior. A porta ocidental substitui o edifício que a Bíblia situa atrás do Sancta Sanctorum, favorecendo a simetria do conjunto. O átrio exterior divide-se, assim, em quatro espaços quadrados com os pátios das cozinhas em cada esquina, fazendo uma cruz perfeita, o que se favorece a idea renascentista de que o Templo de Jerusalém prefigurava a Igreja fundada por Cristo. Também fez uma ilustração do Templo de Salomão com o Santuário, considerando que o exterior era igual ao de Ezequiel.

A discussão sobre a traça do Templo de Salomão ou sobre a origem das ordens clássicas preocupou muito o Dr. Montano e levou-o a acesas discussões contra Villalpando e os seus sequazes. Arias conhneceu em Roma o cónego e pintor-escritor Pablo de Céspedes (Córdoba, 1538-1608), cuja discussão sobre o Templo, entre as correntes montanista e villalpandista, o levou um Discurso sobre el Templo de Salomón, primeiro capítulo do seu Tratado de Pintura de 1599,em que segue Arias Montano nas ideias sobre a origem das colunas coríntias, e contra as ideias de Villalpando. Assinalam-se as gravuras do Templo pelo teólogo protestante alemão Heinrich Buenting (Hannover, 1545-1606), com Jerusalén ao centro, os três continentes clássicos (Europa, África, Ásia) emergindo do seu tronco, separados pelos mares Mediterrâneo, Cáspio e Vermelho, as ilhas que se unem à Europa assinaladas como Inglaterra e Dinamarca-Suécia, e o Novo Mundo à esquerda (Enricus Bunting, Itinerariun Sacrae Scripturae, Magdeburg, 1581. Ed. chez J. L. Siebenbürger, Helmstadt, 1582 (Paris, BNF, Réserve des livres rares, Rés. 02. F. 972, f. 4-5, 15-16, 58-59 y 68-69). Frei Heitor Pinto, jerónimo português n. e m. na Covilhã (1525-1584), escreveu os In Ezechielem Prophetam Commentaria, sobre a profecía na sua visão simbólica, à luz das ideias de Arias Montano, e com um desenho esquemático do Templo, segundo Ricardo de S. Victor (F. Hectoris Pinti lusitani hyeronimi In Ezechielem prophetam commentaria / omnia iudicio et correctioni Sanctae Romanae & universalis Ecclesiae subiecta sunto. Antuerpiae: in aedibus Viduae & haeredum Ioannis Stelsii, 1570 (1ª ed, Salmanticae, 1568, fol.; Antverp, 1570, 1582; Lugduni, 1581, 4to; Ibid. 1584, fol.; Colon., 1615, 4to). O teólogo protestante Matthias HAFENREFFER publica em 1613 em Tübingen, na Alemanha, o livro «Templum Ezechielis», onde defende a interpretação luterana da Bíblia, mas a respeito do quadrado de Ezequiel e do Templo, volta a seguir as teses de Arias Montano,  torre da fachada do Santuário, em influência provável de El Escorial. No estudo da geometria, seguiu os famosos matemáticos e astrónomos protestantes Michael Maestlin e Johannes Kepler.(Helen Rosenau, Vision of the Temple: the Image of the Temple of Jerusalem in Judaism and Christianity, pp. 93 y 106, London, 1979). Com todas estas obras e pensadores, Arias Montano esgrimiu argumentos e posicionou as suas teorias estéticas.

Quando se admira a gravura 'A verdadeira Inteligência (Idea) inspira o Pintor', gravada por Cornelis Cort (1533-78) segundo desenho de Frederico Zuccaro expressamente feoita a pedido de Arias, e aberta em 1577-78 em Roma, vemo-la acompanhada por um longo poema latino onde ele discursa sobre o papel pedagógico e emotivo do discurso artístico. A gravura (Staatlische Museum, Berlim) recorre à alegorização clássica e aos conceitos neoplatónicos: Apolo como Ideia das Artes a admirar a tela Fraga de Vulcano, com as Fúrias, a Inveja, o Concílio dos Deuses, Ceres, Vénus, Baco, Hércules, as divindades fluviais, Pan, Diana, Marte, Pomona, Saturno, Tétis, Neptuno, etc, num Olimpo onde a Caritas, Prudentia, Benignitas e Fortituto têm valência qualificante do próprio sentido das artes.