Erwin Panofsky e a iconologia.
27 Março 2017, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Erwin
Panofsky (Hannover,
1892-Princeton, EUA, 1968). No livro Through
the
Looking-glass
and
what
Alice found
twere,
Lewis
Carroll narra o fascínio de Alice, junto ao gato negro Kitty,
pelo grande espelho que a intriga, onde se reflecte o quarto em que está
encerrada, até ao momento em que finalmente atravessa o espelho e penetra na
sua aventura. Aí, dentro, tudo é igual à imagem que Alice podia ver reflectido
na superfície, mas tudo o que não era entrevisto na imagem reflectida é, pelo
contrário, muito diferente do imaginável... É o mundo da fantasia, todavia com
regras precisas, um mundo que Alice tem de percorrer para o poder compreender
na sua globalidade...Através
do espelho... Através da imagem... A abordagem iconológica encontra
nesta dimensão de entrega ao total descobrimento as suas mais puras raízes, o seu inflamado desejo de
flanquear a superfície das coisas (e das obras de arte) para poder descobrir o
seu lado escondido, a sua face oculta... A História da Arte passou o tempo’vasariano’ das biografias e o tempo ‘morelliano’ das
leituras formais dotadas da maior cientificidade, aprendendo nas várias
vertentes – histórica, documental, laboratorial, sociológica, semiótica – um
pouco da sua especificidade como disciplina dotada de fascínios no modo sempre
irrepetível de saber
ver em globalidade as obras de arte.•Eis
que a ICONOLOGIA ultraopassa
a sua dimensão de ramo operativo da História da Arte e, passando pelo bom uso
da Iconologia, é capaz de apontar sentidos, descodificar programas, entretecer
mistérios que as imagens oferecem aos espectadores, ao longo dos tempos. Depois
do uso do termo no dicionário de símbolos que Cesare
Ripa editou em Roma (Iconologie, 1593) e reeditou, ilustrado, em
1603, a Iconologia ressurge em Roma, em Outubro de 1912, no X
Congrès
International
d’Historiens d’Art,
por palavras de Aby
Warburg
(1866-1929), ao expôr
a sua «leitura iconológica» dos frescos do Palazzo
Schifanoia
em Ferrara, em oposição às leituras formais e estritamente descritivas dos seus
colegas. Na sua biblioteca de Hamburgo, Warburg
reunirá materiais de approche interdisciplinar da H. Arte com a
Astrologia, a História das Religiões, a Antropologia, a Sociologia, a
Literatura, o Folclore, etc,
assim nascendo o Instituto Warburg,
que o regime nazi obrigará a transferir em 1933 para Londres. Sob direcção de Fritz
Saxl,
´o Instituto recebe grande impacto: aí se formarão Ernst Cassirer
e Erwin
Panofsky,
entre outros...Discípulo
de Warburg, Panofsky
graduou-se em 1914 na Universidade de Friburgo, com uma tese sobre o pintor
alemão Albrecht Durer,
depois de estudar em várias universidades alemãs. Em 1916 casou-se com Dora
Mosse, também historiadora da arte. Em 1924 aparece a primeira de suas grandes
obras: Idea:
uma contribuição para a história das ideias na história da arte, em
que examina a história da teoria neoplatónica na arte do Renascimento. Entre 1926 e 1933 foi professor na
Universidade de Hamburgo, onde havia começado a lecionar em 1921. Abandonou a Alemanha quando os
nazis tomaram o poder em 1933 (era de ascendência judia) e
instalou-se nos EUA Estados, para onde havia viajado como professor
convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos Avançados da
Universidade de Princeton (1935-1962),
mas também trabalhou nas universidades de Harvard (1947-1948) e New
York (1963-1968). Para Panofsky
a História da Arte é uma ciência em que se definem três momentos
inseparáveis do ato interpretivo das
obras em sua globalidade: a leitura no sentido fenomênico da imagem; a interpretação de seu
significado iconográfico; e a penetração de seu conteúdo essencial como
expressão de valores. A arte medieval e do Renascimento (que estudou
profundamente), estão definidos em seu livro Renascimentos
e Renascimentos na Arte Ocidental.
•Foi
amigo de Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica.Panofsky
fazia a distinção entre ICONOGRAFIA e ICONOLOGIA. Em Estudos
em Iconologia (1939)
dando exemplos sobre as diferenças. Definiu iconografia como o estudo tema ou
assunto, e iconologia o
estudo do significado. Ele exemplifica o ato de um homem levantar o chapéu. Num
1º momento (ICONOGRAFIA) é um homem que retira da cabeça um chapéu, num 2º
momento, (ICONOLOGIA) menciona que ao levantar o chapéu, esse gesto é
"resquício do cavalherismo
medieval: os homens armados costumavam retirar os elmos para deixar claras suas
intenções pacíficas". Enfatizando a importância dos costumes cotidianos
para se compreender as representações simbólicas. Em 1939, em Estudos
em Iconologia,
Panofsky
detalha as suas ideias sobre os três níveis da compreensão da história da arte:
•Primário,
aparente ou natural: o nível mais básico de entendimento, esta camada consiste
na percepção da obra em sua forma pura. Tomando-se, p. ex., uma pintura da Última
Ceia.
Se nos limitarmos ao 1º nível, o quadro poderia ser percebido somente como uma
pintura de treze homens sentados à mesa. Este 1º nível é o mais básico para o
entendimento da obra, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural.
•Secundário ou
convencional: Este nível avança um degrau e traz a equação cultural e
conhecimento iconográfico. Por exemplo, um observador do Ocidente entenderia
que a pintura dos treze homens sentados à mesa representaria a Última
Ceia.
Similarmente, vendo a representação de um homem com auréola com um leão poderia
ser interpretado como o retrato de São
Jerónimo.•Significado
Intrínseco ou
conteúdo (Iconologia): este nível leva em conta a história pessoal, técnica e
cultural para entender uma obra. Parece que a arte não é um incidente isolado,
mas um produto de um ambiente histórico. Trabalhando com estas camadas, o
historiador de arte coloca-se questões como "por que São Jerônimo foi
um santo importante para o patrono desta obra?" Essencialmente,
esta última camada é uma síntese; é o historiador da arte se perguntando:
"o que isto significa"? Para Panofsky, era
importante considerar os três estratos como ele examinou a arte renascentista.
Irving Lavin diz
que "era esta insistência sobre o significado e sua busca - especialmente
nos locais onde ninguém suspeitava que havia - que levou Panofsky a
entender a arte, não como os historiadores haviam feito até então, mas como um
empreendimento intelectual no mesmo nível que as tradicionais artes
liberais".
BIBL.
Erwin Panofsky, Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental, Lisboa, Presença, 1981
Erwin Panofsky, Estudos de Iconologia, Lisboa, Estampa, 1986