Ler uma obra de arte segundo Omar Calabrese. O enfoque da Semiótica.

1 Março 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

  O conteúdo da aula centra-se nos aspectos teóricos incidentes sobre a abordagem da obra de arte, com base nas imagens artísticas privilegiadas na análise de Omar Calabrese, ao longo de sete capítulos reunidos na publicação intitulada “Como se Lê uma Obra de Arte”. Sete capítulos que representam outros tantos olhares complementares, incluindo a apreciação e o entendimento da obra de arte, englobando características específicas enquanto objecto estético, mutações dos valores estéticos, juízos de valor subjacentes na apreciação do observador/receptor/usufruidor. Definição de estilo e estilema, enfoque metalinguísticdo e crítico.

    A obra de arte em análise transporta um conjunto de enunciados significativos que informam sobre a interpretação de Omar Calabrese com o pensamento semiológico. Discurso fluente, quando coloca questões inerentes à interrogação da obra de arte, adensa-se perante a polissemia subjacente à interpretação.  Do seu contributo teórico-conceptual [presente na obra “como se lê uma obra de arte”] para o desbravar de metodologias de abordagem da obra, destacamos:  A leitura do quadro como processo de um olhar consciente, responsável e competente, apetrechado da utensilagem adequada à descodificação do texto em análise. Atitude de visão global face à totalidade da obra, conhecedora não só da utopia que habita cada momento de abordagem, mas também do significado da Fortuna Crítica e do espaço existencial do presente. Articulação dos diferentes tempos face à discursividade da leitura. Estruturação de circuitos de olhares virtuais e possíveis, direccionados para o conjunto de signos alinhados na superfície plástica, implicando escolhas múltiplas e relativas e refutando a linearidade irreversível. Soberania da consciência face à parcialidade que antecipa a visão unitária, perspectivada a partir de três comportamentos fundamentais: perceptivo, estruturante e memorizante. Equivalência do quadro a uma matriz de linhas, cores e valores, na qual cada geração inscreve a sua própria leitura.  Concepção do quadro como sistema, onde se cruzam conjuntos de olhares, de percursos, de elementos ligados entre si por diferentes graus de constrangimento e provocação, suscitando na descodificação dos códigos picturais a coerência interna e orgânica inerente à obra em análise e às suas referências conotativas e denotativas, sublinhadas na oposição regra/transgressão/significado pictórico. Importância da aplicação do modelo característico da semiologia pictural à pintura, entendida como linguagem estruturada e autónoma

     Em resumo, Omar Calabrese pertence a uma nova geração de críticos de arte cujos pressupostos teóricos se afirmam na década de 90 e onde se incluem nomes como Victor I. Stoichita, Marc Bayard, David Freedberg, Georges Didi-Hubermen, Hans Belting, etc. No discurso teórico de Calabrese transparece toda uma utensilagem metodológica alimentada por conceitos operativos fundamentais para a descodificação do processo comunicativo, no qual ocupa lugar privilegiado a linguagem artística e, naturalmente, o discurso pictórico. Assim se compreende a alusão, nas suas análises, a termos como estratégia discursiva, narratividade, metáfora, signo, unicidade, memória, autenticidade, totalidade, alegoria, trans-semioticidade, contextualidade, cruzamento… propondo uma verdadeira taxonomia.

     Do ponto de vista crítico, a grande abertura expressa por Calabrese relativamente ao processo de análise da obra de arte, é bem o espelho da sua atitude de humildade, patente no seu reconhecimento de que a mensagem da obra não se esgota no signo, enquanto substituto significante de qualquer coisa. Daí o apelo do autor a elementos exteriores ao conteúdo, sejam eles dados biográficos, informação histórica, relações do artista com a sociedade, domínio da iconologia, etc., os quais embora excluídos do processo comunicacional, completam o entendimento da globalidade da obra de arte.

     Muitas das questões colocadas por Calabrese relativamente ao universo comunicativo da produção artística continuam em aberto, pois no actual estado do debate teórico nada está definitivamente encerrado. A obra de arte oferece-se à interrogação, e a abordagem semiótica não a esgota; as áreas cruzadas com a semiologia, designadamente no domínio das ciências humanas, a interdisciplinaridade, a aproximação metodológica a outras linguagens da crítica, constituem recursos que tornam inesgotável o processo de inteligibilidade da obra. “Como se lê uma Obra de Arte” é uma obra de qualidade inquestionável para estudiosos, críticos e historiadores da arte, com destaque para o seu contributo semântico, o qual justificaria o melhoramento da qualidade de reprodução das imagens reproduzidas e, bem assim, do teor de informação veiculada pelas respectivas legendas.


  BIBL.: OMAR CALABRESE, Como se Lê uma Obra de Arte, Edições 70, Lisboa, 1997, ISBN 972-44-0963-5, 144 pp. (125 de texto). Título original: Cómo se lee una obra de arte, Ediciones Cátedra, S.A., 1993.