Conceito de Perspectiva Científica no Renascimento e Pós-Renascimento: o legado de Panofsky e a iconologia.

29 Março 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


Conceito de Perspectiva Científica no Renascimento e Pós-Renascimento a partir da obra  nuclear de Erwin Panofsky (Perspectiva, 1927). Algumas derivações críticas. A 'Philosophie der Symbolischen Formen' de E. Cassirer: obra dividida em três corpus distintos, dedicados à linguagem, ao pensamento mítico e à fenomenologia do conhecimento. A percepção do mundo, transposta para uma linguagem, cedo assume um papel relevante para o entendimento do mesmo. Tudo passa a ser designado mediante essa mesma linguagem, ela assume o demiúrgico papel de Logos Primordial, manancial primevo do universo e do conhecimento do mesmo. É mediante a transição, de uma filosofia da natureza para uma filosofia da linguagem, que se inaugura um debate fecundo que marcará a linguagem da arte até às manifestações mais coetâneas. A correlação interpretativa e dependência entre o objecto físico - o seu símbolo associado  - e a entidade formadora que a expressão constitui per si, conferem segundo a visão de Cassirer, à acção, à praxis e a um modus faciendi particular, o fulcro relacional entre o mundo da percepção e das ideias e o mundo físico das formas sensíveis. A lição de Benjamin: •«Em grandes épocas históricas altera-se, com a forma de existência colectiva da humanidade, o modo da sua percepção sensorial»... «(…) Não há acontecimento ou coisa, seja na natureza animada, seja na inanimada que, de certa forma, não participe na linguagem, porque a todos é essencial a comunicação do seu conteúdo espiritual. Mas a palavra “linguagem” assim entendida não é de modo algum uma metáfora. De facto, é uma evidência plena de conteúdo a afirmação de que nada podemos imaginar que não comunique a sua essência espiritual, manifestando-a através da expressão (…) qualquer expressão, desde que seja comunicação de um conteúdo intelectual, é considerada linguagem.»

Panofsky formulará a sua teoria, tendo por base os rudimentos epistemológicos Cassirerianos, fundamentalmente no que respeita à noção de “percepção” fenomenológica das formas e do espaço. Segundo o autor, a garantia de uma formulação espacial racional, infinita, constante e homogénea, como é formulada pelo postulado Albertiano, obriga a uma evidente mutilação da percepção psicofisiológica, inapta na apreensão dos conceitos espácio-temporais infinitos do Quantum Continuum. É precisamente nas diferenças evidentes entre o “espaço visual” em oposição ao “espaço métrico” da geometria Euclidiana, que a qualidade anisotrópica e heterogénea das formas e dos objectos se manifesta. Em traços largos, a tese Panofskyana defende que a transfiguração de uma “perspectiva naturalis” para uma “perspectiva artificialis” mediante a formulação do postulado albertiano, implicou uma clara reformulação do sistema cognitivo e psico-fisiológico, que desde a antiguidade clássica vem formulando e expressando uma noção de espaço como forma simbólica, tributária das idiossincráticas cosmovisões de cada período histórico. A constituição de um espaço matemático puro, o more geometricum, ou a Neo-Platónica doutrina da matematização da natureza.•O pós-guerra introduz igualmente um pós-Panofsky. É uma tríade prefigurada por: Rudolf Arnheim (1904-2007) - mediante o seu contributo no campo da psicologia da forma (Gestalt), semelhante a Cassirer ao entender a forma como a expressão de uma ideia em processo. Por Ernst Gombrich (1909-2001), com o seu inegável contributo no campo da psicologia da percepção, e finalmente por Martin Kemp, professor da Oxford University, através dos prementes esforços que tem vindo a desenvolver no âmbito da promoção da ciência pictórica e nos estudos aplicados à óptica na pintura e à interacção entre Arte e Ciência.

Em Die Perspektive als «Symbolische Form» (1927), diz-se: “Falamos sobre " visão Perspectiva " do espaço lá e só lá, quando o artista vai para além da mera representação "de miniaturas" de objectos singulares, como móveis ou casas, para transformar, de acordo com a expressão de outro teórico Renascentista, todo o quadro em uma espécie de "janela" através da qual, tal como cremos que o artista deseje, os nossos olhos mergulhem no espaço”. E, como disse argan, «a arte é, doravante, concebida como um certo tipo de processo; a obra de arte é o resultado de um procedimento ou de um comportamento artístico: apenas a experiência dos vários modos de procedimento artístico, ou das diversas “maneiras” dos artistas, pode permitir ao crítico, agora tido como “conhecedor”, de reconhecer que uma dada obra é “autenticamente” artística. (…)» (Argan, Giulio Carlo. 1988. Arte e Crítica de Arte. P. 134. Editorial Estampa. Lisboa).