Trans-Memória: espçaços habitados, espírito de lugar, identidades memoriais de sítio.

8 Março 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

   Trans-Memória: espçaços habitados, espírito de lugar, identidades memoriais de sítio.

Seja qual for a circunstância histórica de concepção, de produção ou de fruição, as imagens artísticas são sempre um testemunho estético dotado de muitos sentidos. Elas apresentam-se ao nosso olhar com significações distintas e com variados traços de comunicabilidade que se expressam tanto no plano da sua estrita conjuntura de tempo e de espaço como, sobretudo, no plano de uma dimensão trans-contextual que lhes confere novos níveis de leitura.

As obras de arte são, quase sempre, uma espécie de jogo de espelhos na sua qualidade natural de objectos vivos, dotados da capacidade de prolongarem a sua função pela fruição, de assumirem novos contextos e de se exprimirem em plenitude face a novos olhares. Aptas a gerar novos públicos na sucessão dos tempos, as obras de arte comunicam impressões, resguardam a sua complexidade originária e renovam os seus traços de encantação estética. Como afirmou o escritor Antoine de Saint-Exupéry, elas encerram tanto uma dimensão onírica quanto uma dimensão tangível, ambas essenciais para caracterizar a sua essência artística.

   É precisamente a dimensão memorial das imagens artísticas com os seus contornos nunca efémeros, ou neutrais, que se impõe analisar à luz das suas razões de ser, sejam ideológicas, religiosas, políticas, ou outras. ... E, sabemo-lo pela experiência que a Iconologia, a Semiologia e a Sociologia da Arte nos oferecem, as obras de arte são mais atraentes como interlocutoras dinâmicas de diálogos interrompidos quanto melhor explicáveis na essência do acto de produção que lhes deu origem, e na consequência dos actos de contemplação que, muito tempo depois, continuaram a legitimá-las, mesmo com o peso do esquecimento colectivo sobre os significados reais que um dia lhes deram origem e modelação criadora...

     Parece-me ser útil, assim, para uma maior riqueza metodológica na prática da História da Arte, recorrer à utilização de um novo conceito: o conceito de trans-memória aplicado ao estudo integral das imagens artísticas.  Tal dimensão teórica tem em vista o entendimento de que a obra de arte, mais que um testemunho trans-contextual (como diria Arthur Danto, ou U. Eco  com o conceito de ‘obra em aberto’) apto a formar novos públicos cada vez que é alvo de um novo acto de fruição, é também um laboratório de memórias acumuladas que sobrevivem e perduram, seja nas franjas do subconsciente, seja na prática da criação e da re-criação dos artistas.

     A Musa Polimnia (na origem grega, Polymnia), a inventora da lira, é desde sempre representada em moldes variados: ora em pose meditativa e merencorosa, com o pé sobre uma rocha e a cabeça apoiada numa das mãos, ora segurando na outra mão uma orelha (gesto que simboliza o esquecimento) e um buril (que significa o modo como a alma humana grava as viagens da imaginação); podendo aparecer também apoiada num tabuleiro onde os cinco sentidos estão representados pelos seus símbolos (o olho, a orelha, a boca, o nariz, a mão) e acompanhada por um cão (presença essa que atesta como os animais também são dotados da faculdade de memória). Num plano fundeiro, em algumas representações de Polimnia, podem surgir as outras Musas, todas elas filhas da Memória na acepção precisa em que, sendo todas elas filhas dos amores ilícitos de Zeus e Mnemésis, consagram, também elas, o conjunto dos factos dignos de memorização.
      Casos de Arte Pública em Lisboa à luz dos seus múltiplos contextos: exemplos diversos.