A antropologia das imagens e a iconologia de Hans Belting.

17 Fevereiro 2022, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A “antropologia das imagens” de Hans Belting (1935-) constitui outro dos títulos mais marcantes da sua obra. O livro chama-se, na edição primeva,  Bild-Anthropologie : Entwürfe für eine Bildwissenschaft (Munique, ed. W. Fink, 2001;  ed. portuguesa Antropologia da Imagem, KKYM, 2014). O historiador considera imagens quer da história da arte quer da era digital, e tanto do mundo ocidental  como de outras culturas, seja em suportes clássicos – como a pintura, escultura, fotografia e cinema – e ainda outras imagens, como a tatuagem facial, a sombra ou o sonho. A História da Arte tal como nos era contada aparece como um  equívoco ocidental que trata o desenvolvimento de algumas correntes da produção visual de uma determinada cultura como sendo a narrativa única e universal. O autor propõe uma revisão de tais concepções da pesquisa num novo modo de encarar os fenómenos artísticos,  depois de os nomear. Dentro desta perspectiva, Belting oferece-nos um amplo panorama da produção artística e problematiza algumas peculiaridades da arte contemporânea, tentando entender as peculiaridades dos museus de ontem e hoje, ao sugerir uma nova e mais abrangente história da imagem. O livro inclui um conjunto de imagens que não aparentam encadeamento linear e constituem, de per si, um discurso icononímico coerente, que acaba por ser percebido no íntimo diálogo que estabelece com os textos. A imagem propriamente dita decorre, segundo Hans Belting, do encontro entre os meios e o corpo, o lugar vital das imagens. Se Belting se recusa a reduzir as imagens a um mero plano de incorporação material, também reconhece a importância dos meios e processos através dos quais elas se manifestam, em que inclui o próprio corpo. O livro procede ao estudo de temas tão diversos como a teoria da sombra em Dante e a cultura pós-fotográfica digital, o brasão de armas e a pintura do retrato, a realidade virtual, a imaging science, e os rituais funerários, onde valoriza o uso primevo da máscara, através do qual o defunto prolonga uma presença ‘viva’ no seio da comunidade.  A via fotográfica é uma das operações onde melhor ocorre a reencarnação do ausente e se reitera a estranha materialidade do meio, reminiscente do corpo (lugar que, àparte os actuais meios tecnológicos de armazenamento, retém de modo anacrónico a memória das imagens). A sobrevivência das imagens, a transmissão cultural e o processo de transformação de significado próprios da imagem, são tratados com uma visão penetrante (o encontro entre o Ocidente e as culturas nativas das Américas, onde se descreve a experiência de Aby Warburg aquando da sua famosa viagem em território índio. Também fala de Lévi-Strauss (a «máscara» dos Caduvéo), de Macho (os «crânios de Jericó»), de Leroi-Gourhan (relação entre linguagem e imagem), de Augé (os «Não-Lugares»), de Foucault (as «heterotopias»), e ainda de Stiegler, Alliez, Deleuze,  McLuhan, e muitos outros igualmente convocados.