A corrente do Feminismo na Arte e as Teorias da Arte: Linda

3 Fevereiro 2022, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A vertente da História da Arte no feminino aberta com os estudos de Linda Nochlyn (Wlomen Artists: 1550-1950, 1976) e Griselda Pollock (Old Mistresses: Women, Art and Ideology, 1985) veio reforçar o poder de saber olhar e ver as obras de arte na sua plenitude, integrando naturalmente a produção das mulheres no seu campo de estudos e no seu devido contexto histórico. Trata-se de virar no campo das Humanidades uma página obscurantista em que dominou, também no campo da História da Arte, o preconceito, a homofobia e o sentido de menorização, dando ênfase a realidades que haviam estado desde sempre desvalorizadas, senão mesmo ignoradas: a arte criada por mulheres, assim observadas enquanto criadoras, acentuando ao mesmo tempo o ponto de vista que lança luz sobre tais mulheres observadoras que criam arte.

À luz dos novos caminhos abertos pela História e a Crítica da Arte com as suas próprias orientações de pesquisa, e as reflexões dinamizadas no último quartel do século passado, a abordagem feminista das artes buscou a vertente das mulheres enquanto objecto de observação e criação masculino (uma das tipologias persistentes ao longo da história da Pintura Ocidental) e o lado das mulheres enquanto observadoras e criadoras. Esta dupla dimensão, que engloba os temas da hegemonia do olhar masculino e as possibilidades do desejo, as fronteiras da nudez e a ‘colonização’ do corpo feminino, alarga sem dúvida o campo a História da Arte praticada no nosso tempo a outras valências globalizantes, abrindo o necessário debate em torno da produção artística no seu conjunto e inquirindo por que razão pintoras tão importantes do século XVI-XVII como Lavínia Fontana e Artemisa Gentileschi só tardiamente foram «descobertas», depois de desde sempre terem sido vistas tão-só como filhas de pintores em cuja sombra, com maior ou menor mérito, haviam seguido carreiras fugazes…

     Olhemos o tão conhecido Cartaz We Can Do It ! de J. Howard Miller (1943), primeiro grande ícone da luta das feministas nos EUA e que, mais tarde, também na Europa dá valor simbólico a tal movimento: esta célebre imagem de trabalhadora com lenço na cabeça, que arregaça as mangas e assume a força necessária para as actividades convencionadas como sendo exclusivas dos homens, nasce ironicamente no contexto da última Grande Guerra, no seio da fábrica Westinghouse Electric Corporation, com o fito de incentivar as mulheres americanas a colaborarem no esforço militar, e só muito mais tarde (anos 80) se tornou, devidamente descontextualizada e recontextualizada, ícone de luta da causa feminista. Dominava então uma linhagem da História da Arte «oficial», bem pensante, académica, fechada na sua torre de marfim e mal escondendo a sua vertente homofóbica e imperialista, parece ter esquecido durante muito tempo as suas protagonistas mulheres, erradicando-as dos museus, das exposições e das páginas dos seus livros…

     Como diz Filipa Lowndes Vicente existe ainda uma arte sem História que precisa de ser reescrita, que precisa de ser pesquisada a sério: aquela que foi produzida por artistas mulheres, e que a História tradicional sempre colocou num plano subalterno, algo que se verifica também no campo da arte portuguesa e só em anos recentes começou a ser revisto [1]. À parte os estudos sobre Josefa de Óbidos (1630-1684) [2], existem vários casos de mulheres artistas portuguesas que carecem absolutamente de estudo.  Temos, em suma, uma arte sem História que precisa de ser reescrita, de ser pesquisada a sério, em torno da produção de artistas mulheres, campo que a Histórias tradicional tem sempre posto em plano subalterno e negligenciado. Que se sabe destas mulheres, que urge analisar em exacta paridade com os homens do seu tempo ? Obras tão interessantes como a de Damião de Froes Perym, onde se elogiam duas pintoras já atrás citadas, Josefa de Óbidos (citada em certo documento, não como pintora, mas como «molher emancipada que nunca cazou») e D. Maria de Guadalupe de Lencastre e Cardenas, destacam mais o «recato», a «modéstia» e as «qualidades femininas» relacionadas com o lar, a educação dos filhos e as lides domésticas, sem cuidarem de dar sentido de emancipação estatutária à mulher e referindo a prática artística – mundo de homens – como natural mas limitada expansão daquelas virtudes [3]...



[1] Raquel HENRIQUES DA SILVA e Sandra LEANDRO (coord.), Mulheres Pintoras em Portugal, de Josefa d’Óbidos a Paula Rego, Lisboa, ed. Esfera do Caos, 2013; e Filipa Lowndes VICENTE, op. cit.

[2] Vitor SERRÃO, «Josefa d’Óbidos (1630-1684). A pintora, ’molher emancipada que nunca cazou’, e o elogio da inocência. A ‘escola de Óbidos’ e os novos ‘géneros’ da Pintura», in Mulheres Pintoras em Portugal, de Josefa d’Óbidos a Paula Rego, cit., Lisboa, Esfera do Caos, 2013, pp. 16-39.

[3] João de SÃO PEDRO (com pseudónimo Damião de FROES PERYM), Theatro heroino, abcedario historico, e catalogo das mulheres illustres em armas, letras, acçoens heroicas, e artes liberaes (por) Damiaõ de Froes Perym. - Lisboa : Regia Officina Sylviana, 1740.