As relações interculturais e a imagem: Florença e Bagdad à luz da interpretação de Belting

22 Fevereiro 2022, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Na sua obra mais recente, Hans Belting desenvolve um confronto entre as atitudes perante a imagem nos séculos XV e XVI entre Bagdad, capital otomana, e o Renascimento cristão, e não se contenta em explicar a atitude crítica do Islão face às imagens em nome do interdito religioso e do combate à idolatria, mas fazendo intervir as especificidades estéticas, sociais e científicas dessa cultura, em oposição à cultura do Ocidente, através de uma fascinante interpretação, que abre portas aos estudos integrados de História da Arte.

No limiar da Idade Moderna, a imagem oriunda do Ocidente cristão vai contituir-se através de uma intensa troca com a ciência e a cultura árabes. Mas o olhar perspéctico, uma das invenções do Renascimento, estará na origem de uma ruptura sem précédentes. O olhar que a arte islâmica exprime é em absoluto diferente: não está ligado a um espectactador nem ao lugar que este ocupa no mundo, mas visa, sim, aproximar-se do irrepresentável, o inominável, ou seja, aquilo que existe de mais profundo e intenso.

Diz Anthony Pagden (Mundos em guerra: 2500 anos de conflito entre o Ocidente e o Oriente, Ed. 70) que com a queda de Contantinopla em 1453 pelo Sultão Mehmed II se torna clara do outro lado dos Dardanelos “a percepção de que a Cristandade na parte oriental desaparecera de vez. No seu lugar, encontrava-se a potência mais imponente a ameaçar as liberdades dos povos da Europa desde Xerxes”. Mehmet II (1432-1481) intitula-se Kaiser-i-Rumi , o César dos Romanos”, e em 1480 fez questão de ser retratado por um pintor europeu, o veneziano Gentile Bellini,  enviado a Constantinopla, a capital otomana, pelo governo da República do Adriático. O quadro tem uma atmosfera de consagração e apoteose:  Imperator Orbis. Mehmet sonhou abrir a corte à arte ocidental,  em tentativa frustrada o conceito de retrato à europeia e com perspectiva foi, a curto trecho, rejeitado… Nota Belting que Mehmed II promoveu  a tolerância religiosa, tentou uma abertura à cultura do Ocidente, e quis-se retratar à europeia (chmando Bellini), ainda que o gosto pelo arabesco otomano não tivesse igual acolhimento na Europa. Alimentou o sonho de uma coexistência pacífica e criou círculos cortesãos de latim, literatura e arte na corte de Constantinopla. A arte do retrato europeu exigia a mirada frontal, rejeitada na tradição otomana, o que levou Bellini a tentar um compromisso. O quadrinho (Nat. Gallery9 tem legenda em árabe: «É obra de Ibn Muazzin, que foi um dos célebres mestres dos francos». Para o monoteísmo islâmico, a palavra é increada, não é uma personagem visível, represerntável. Para o Islõ, Jesus era só um enviado, recorda Belting. Por isso, a arte do arabesco, tal como a iluminura e a carpintaria lavrada, constituem a grande força da sua arte.