O conceito de bondade inata das artes em Arias Montano.

22 Março 2022, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A Alegoria da Arte da Pintura, ou «a verdadeira Ideia (inteligência) inspira o Pintor», gravura de Cornelis Cort (1533-1578), segundo desenho de Frederico Zuccaro (1542-1609), com poema de Benito Arias Montano, realizada em Roma, cerca de 1577-78, reune o pensamento ético-estético do grande pensador renascentista. A figura nua que aparece ao pintor é APOLO (ou a IDEIA da Arte). O quadro em que trabalha o pintor é a FRAGA DE VULCANO. À direita, vêem-se as FÚRIAS. Sob Apolo, a INVEJA numa gruta. Quando se admira A verdadeira Inteligência (Idea) inspira o Pintor, de Cornelis Cort (1533-78) segundo desenho de Frederico Zuccaro, aberta em 1577-78 em Roma, vemo-la acompanhada por longo poema latino onde Arias discursa sobre o papel pedagógico e emotivo do discurso artístico. A gravura (Staatlische Museum, Berlim) recorre à alegorização clássica e aos conceitos neoplatónicos: Apolo como Ideia das Artes a admirar a tela Fraga de Vulcano, com as Fúrias, a Inveja, o Concílio dos Deuses, Ceres, Vénus, Baco, Hércules, as divindades fluviais, Pan, Diana, Marte, Pomona, Saturno, Tétis, Neptuno, etc, num Olimpo onde a Caritas, Prudentia, Benignitas e Fortituto têm valência qualificante do próprio sentido das artes. Vêem-se na assembleia dos Deuses CERES, VÉNUS, BACO, HÉRCULES, deuses fluviais, PAN, APOLO e DIANA, e mais atrás MARTE, POMONA, SATURNO, TÉTIS,… NEPTUNO, etc. O Deus do Olimpo é rodeado de CARITAS, PRUDENTIA, BENIGNITAS, FORTITUDO

Concílio dos Deuses, pormenor da ALEGORIA DA ARTE DA PINTURA, ou «a verdadeira Ideia (inteligência) inspira o Pintor», gravura de Cornelis Cort (1533-1578), segundo desenho de Frederico Zuccaro (1542-1609), com poema de Benito Arias Montano. Pormenor.

Outra obra de Arias Montano (of. Cristopher Plantin, ed. Antuérpia, 1575), com quarenta e oito emblemas desenhados por Crispin van den Broeck e gravados por Philippe Galle, é o livro DAVID. HOC EST VIRTUTIS EXERCITATISSIMUM PROBATUM DEO SPECTACULUM, EX DAVID PASTORIS MILITIS DUCIS EXULIS AC PROPHETAE EXEMPLIS, onde explorou o carácter polissémico atribuído ao rei-pastor, no contexto das guerras na Flandres. (2ª ed. do David... de Arias Montano, Frankfurt, 1597, ed. Conradus Rittershusius com gravuras de Johannes e Theodor Bry, com versos de Matthias Bergius, e já sem o mesmo sentido de intervenção moralizante da 1ª ed. antes mais inclinada a servir aos exercícios de estilística e a uma poesia aclaratória segundo os dísticos de Arias). É de destacar este ideal do príncipe cristão benigno e tolerante, defendido por Arias Montano, tão ligado ao historial vetero-testamentário de David, rei-pastor cujas virtudes são a FIDES, PIETAS, PRUTENTIA e TEMPERANTIA, e compará-lo com o ambiente vivido nas guerras de religião da Flandres. A proposta de políticas mais indulgentes e a defesa da impunidade dos derrotados (a exemplo da piedade que a cidade bíblica de Abel-Bet-Maaká demonstrara após a entrega do traidor) eram , para os leitores do livro, aspectos que mostravam à época mostrava um evidente contraste face às barbaridades cometidas pelo Duque de Alba contra os protestantes de Malines e Haarlem...  A arte, para Arias, ajuda a corrigir os males do mundo e torna os homens melhores.

 

                                                                            BIBLIOGRAFIA:

Silvaine HANDEL, Benito Arias Montano. Humanismo y arte en España, trad., Univ. de Huelva, 1999.

Juan Antonio RAMIREZ, Dios Arquitecto, Ediciones Siruela, Madrid, 1995.

Juan GIL, Arias Montano En Su Entorno (Bienes Y Herederos), ed. Regional Extremadura, Sevilla, 1998.

Aires Augusto NASCIMENTO, «Erudição e livros em Portugal ao tempo de Arias Montano: a biblioteca do Duque de Bragança», Actas do Congresso Benito Arias Montano y los humanistas de su tiempo, vol. II, 2006, pp. 723-750.

Vitor SERRÃO, «As ideias estéticas de Benito Arias Montano e a arte portuguesa do tempo dos Filipes», Actas do Congresso Portugal na Monarquia Espanhola – Dinâmicas de integração e de conflito (FCSH e Instituto Cervantes, Lisboa, 26-28 de Novembro de 2009) (no prelo).

Idem, O Fresco Maneirista no Paço de Vila ViçosaParnaso dos Duques de Bragança, 1540-1640, Lisboa, 2008.