Elementos da escrita
22 Outubro 2019, 16:00 • Susana Tavares Pedro
Elementos da análise paleográfica (7/14)
Forma - o aspecto exterior das letras que o escriba executou.
Ângulo de escrita - posição em que se encontrava colocado o instrumento do escriba em relação à direcção da linha (BN sugere melhor: ângulo da pena)
Ductus - ordem de sucessão segundo a qual o escriba executou os traços (que devem ser numerados) e o sentido em que fez cada um deles (indicado por setas)
O ângulo da escrita pode condicionar o ductus.
Módulo - dimensões das formas: a largura (que varia de letra para letra no mesmo alfabeto mas pode ser comparada entre exemplos diferentes da mesma letra) e, sobretudo, a altura. A altura é calculada segundo a altura média do corpo das letras na linha (não pelas hastes)
O módulo é uma relação de grandeza.
Peso - depende do instrumento. Diz-se pesada ou leve. Uma escrita pesada é executada com um instrumento flexível que causa grande contraste entre traços finos e grossos; uma escrita leve é executada com um instrumento duro que não causa diferenças significativas entre traços finos e cheios.
ductus e “tracejamento” (tratteggio) – “il modo in cui i segni alfabetici sono scritti”
ductus – define a rapidez de traçado, que pode ser
a) cursivo – quando o traçado é rápido
b) pousado ou direito – quando os traços, mais do que escritos, são (quase) desenhados
c) semicursivo – série de gradações intermédias
O ductus rápido (cursivo) conduz facilmente à incorrecção e irregularidade na execução dos signos de escrita
O ductus pousado ou direito traduz precisão e regularidade
ligaduras e nexos
ligaduras – ligações espontâneas e naturais de duas ou mais letras entre si, determinadas por motivos puramente gráficos e muito frequentes nas escritas cursivas. Nas escritas mais antigas a ligações entre letras altera as respectivas formas fundamentais. As ligações acontecem entre traços orgânicos dos signos alfabéticos e muitas vezes a “afinidade” gráfica (i.e. a tendência para serem feitos de um só traço) entre dois "segni" sucessivos pertencentes a letras diferentes era de tal forma grande que induzia a quebra da figura dos signos, unindo traços de letras diferentes e separando os traços (internos) das letras individuais.
nexos – fusões de signos alfabéticos não espontâneas (não ditadas pela afinidade gráfica) mas pensados e e feitos de forma voluntária antes da escrita, nas quais um ou mais traços de uma letra servem também para a outra.Conceitos fundamentais na classificação de escritas: introdução. (4/14)
1. Maiúsculas e minúsculas
2. Escrita usual — conceito desenvolvido por Giorgio Cencetti
3. Tendências gráficas — a fonte da evolução das escritas no processo gráfico
1. Maiúscula/minúscula Classificação das várias séries alfabéticas segundo um critério puramente formal: as escritas maiúsculas inscrevem-se entre duas linhas paralelas, com extensões mínimas e neglicenciáveis de poucos traços acima e abaixo das linhas: as escritas minúsculas inscrevem-se em quatro linhas paralelas, o corpo das letras entre as duas linhas centrais e as hastes ascendentes e descendentes inscritas entre estas e as linhas externas. Maiúscula e minúscula são termos que se aplicam a escritas, entendendo-se sempre no sentido formal, ou a letras individuais e, neste último caso, entendendo-se sempre em sentido substancial.
2. Escrita usual CENCETTI, Giorggio (1948). “Vechi e nuovi orientamenti nello studio della paleografia”, La Bilbliofilia (50): 4-23. (Cencetti 1948: 6)
“a escrita vulgar quotidiana, usada para todas as necessidades da vida” (Cencetti 1948: 13) “simples escritas de todos os dias” (Cencetti 1954: 54-55) “Em cada época e em cada lugar as atitudes das escritas espontâneas dos indivíduos (as «mãos», as «caligrafias» de cada um) podem ser mais ou menos distintas: todas têm, contudo, algo em comum, mais que não seja o modelo ideal, o esquema, o molde, poder-se-ia dizer quase a ideia platónica dos signos alfabéticos. Este fundo comum, esta constância das escritas individuais, que de certa maneira as engloba todas e que por isso não pode ser constrangida e configurada em regras precisas e inderrogáveis, mas que no entanto tem características próprias e uniformes, constitui a escrita usual daquele tempo e daquele lugar” “La scrittura «usuale» è quella di tutti i giorni e di tutti gli usi.” (1954: 54) Alessandro Pratesi (1961) Paleografia, in Enciclopedia italiana, Terza Appendice, III, M-Z, Roma, 352-355 «usual» «a escrita de uso quotidiano em todas as suas multiformes manifestações, que, liberta de rígidos cânones escolares, modifica, inconscientemente e de maneira mais ou menos evidente, o tamanho, o número, a sucessão e a direcção dos traços, e acaba por modificar até a forma das letras».
3. É no âmbito das escritas usuais que se manifestam as mudanças provocadas pelas tendências gráficas, ou seja, pelos factores (imponderáveis mas mas muitos devidos a motivos estéticos ou materiais) que levam a que se escreva com caracteres inclinados ou arredondados ou angulosos, etc... Muitas destas tendências são individuais e não têm conseguências na história da escrita, outras são expressão de motivos difusos e comuns a todos os escritores que introduzem nos signos alfabéticos modificações recorrentes com características idênticas em todas as escritas individuais até que, tornadas típicas, acabam por alterar, na mente de quem escreve, o modelo ideal, a ideia platónica da letra correspondente. Alterações análogas em todas as letras conduzem à modificação e à evolução da escrita, ou seja, ao desenvolvimento do processo gráfico cujos factores elementares são as tendências.
Escrita normal, Escrita elementar de base, de chancelaria (5/14)
4. Escrita normal
Alessandro Pratesi (1961) Paleografia, in Enciclopedia italiana, Terza Appendice, III, M-Z, Roma, 352-355
“um esquema abstracto, não documentado nas manifestações práticas de escrita e todavia real como letras-tipo dos abecedários coevos, caracterizado por uma relação precisa do número, sucessão, direcção e desenvolvimento dos traços de cada signo literal” outra definição de escrita «normal» em Alessandro Pratesi, Paleografia greca e paleografia latina o paleografia greco-latina?, in Studi in onore di Gabriele Pepe, Bari 1969: 167 («algo de comparável aos modelos alfabéticos apresentados nas páginas do abecedário da nossa infância, dos quais emanaram as transformações que conduziram à escrita individual de cada um de nós, tão diferentes uma da outra»)
5. Escrita elementar de base
Estes constituem, em cada sociedade de escreventes, um estrato homogéneo de modelos gráficos (logo, também uma «norma» a nível de abecedário, para usar um termo moderno), caracterizado praticamente em todas as circunstâncias pela identificação autónoma dos elementos individuais, pela consequente ausência de ligaduras cursivas ou de nexos entre eles, pelo parco ou nulo uso de abreviaturas, pela falta de elementos de enquadramento, separação e explicitação do discurso (uso de maiúsculas, pontuação, sinais diversos, etc.); tirando os quase sempre raros testemunhos didácticos directos (modelos dos mestres, exercícios escolares, etc.), apenas os testemunhos de escritas usuais de semialfabetizados podem fornecer exemplos mais ou menos directos da norma gráfica ensinada a nível elementar, porquanto reproduzem, embora frequentemente de maneira deformada pela imperícia pessoal e por influências externas, a suas características fundamentais.
6. escrita de chancelaria
Em documentos que manifestam a vontade do soberano ou de outra autoridade temporal ou esptiritual, a exigência de serem distintivos e de transmitirem autenticidade e solenidade reflecte-se na elaboração voluntária de escritas especiais, com características que favorecem a identificação com a chancelaria de origem e que por vezes sacrificam outros critérios como a legibilidade ou a estética. São mudanças rápidas porque pensadas e propositadas. Têm como resultado formas artificiosas, convencionais, sempre mais ou menos diferentes das usuais, frequentemente com traços acessórios supérfluos introduzidos não tanto com finalidade estética mas sim com o objectivo de assegurarem a caracterização e como garantia de autenticidade.
Escrita livresca, escritas canonizadas, escritas tipificadas (6/14)
7. Escrita de chancelaria
Em documentos que manifestam a vontade do soberano ou de outra autoridade temporal ou esptiritual, a exigência de serem distintivos e de transmitirem autenticidade e solenidade reflecte-se na elaboração voluntária de escritas especiais, com características que favorecem a identificação com a chancelaria de origem e que por vezes sacrificam outros critérios como a legibilidade ou a estética. São mudanças rápidas porque pensadas e propositadas. Têm como resultado formas artificiosas, convencionais, sempre mais ou menos diferentes das usuais, frequentemente com traços acessórios supérfluos introduzidos não tanto com finalidade estética mas sim com o objectivo de assegurarem a caracterização e como garantia de autenticidade.
8. Escrita livresca (Cencetti)
A regra que se estabelece na escrita de livros é em direcção à clareza. As alterações são mais lentas e graduais que as que se dão no âmbito das chancelarias; as exigências estéticas têm grande influência porque o público exige escritas claras mas também belas: este género tende para o espaçamento das letras, a armonia das dimensões e das proporções, a regularidade do alinhamento, a exactidão do traçado, e a simplicidade dos signos. Estre processo desenvolve-se na maior parte dos casos em oficinas de escrita, entre copistas profissionais.
9. Escritas canonizadas
ambos os processos assentam numa tendência predominante (clareza ou solenidade). quando a escrita resultante se torna de uso geral nos géneros de escritos aos quais se aplica, as formas resultantes mantêm-se estáveis e as regras de escrita elaboradas fixam-se em cânones seguidos obrigatoriamente. Temos então escritas canonizadas, que se distinguem das usuais (normais) (mutáveis e sempre em desenvolvimento). Estas escritas conservam-se fixas durante mais tempo porque a canonização das suas regras não admite inovações substanciais, acabando por se tornar cada vez mais antiquadas e inadequadas às novas exigências. Em certos momentos o distanciamento torna-se intolerável e 1) as chancelarias abandonam as suas escritas peculiares e 2) as livrescas são ou abandonadas pelas escolas escribais ou se "abrem" relaxando o cânone e admitindo novas formas que acabam por se sobrepôr às antigas. Em ambos os casos normalmente começa um novo processo de canonização, com base nas escritas usuais que entretanto se continuam a modificar e a evoluir.
10. Escritas tipificadas
O que foi descrito é um paradigma, uma abstracção dos processos individuais concretos e históricos. Algumas tipificações dão tentativas de elaboração de uma escrita livresca que se prendem com a formação de regras gráficas mas não com a sua fixação em cânones e que, portanto, desaparecem rapidamente, ou formas intermediárias entre as cancellerescas e as usuais que surgem em determinados lugares em tempos específicos (por exemplo em documentos notariais).
11. Escrita documental (Derolez)
(A. Cruz: epistolaris) (2003: 4) A separação entre livros e documentos remove a base para compreender a evolução e diversificação das escritas. Em traços gerais, a relação entre escritas livrescas e escritas documentais pode ser esboçada assim: as escritas livrescas implicam um grau mínimo de formalidade enquanto as escritas de documentos tendem a ser informais. Nestas, as formas das letras alteram-se e tornam-se cursivas para conseguir maior rapidez de escrita.. Podem apresentar características como arredondamento, alargamento, reduzido número de traços por via de laçadas e ligaduras, fragmentação, etc. Com o tempo, as novas formas tornam-se a norma e podem ser estilizadas e executadas de modo caligráfico através do aumento do número de traços e diminuição das ligaduras, criando assim uma nova escrita livresca canonizada. A diversificação de escritas documentais ao longo de linhas regionais e nacionais foi sempre maior do que a das escritas livrescas.