Gil Vicente também foi um poeta

20 Outubro 2016, 10:00 Maria João Monteiro Brilhante

Considerações acerca do chamado lirismo de Gil Vicente. Reconhecimento das características poéticas da sua escrita por vários estudiosos. Brancaamp Freire que lhe chama "trovador e mestre da balança", Paul Teyssier, Reckert, Cardoso Bernardes. É possível reconhecer nos autos a confluência do lirismo cortês (poesia trovadoresca), da poesia popular (de transmissão oral) e da poesia religiosa ou litúrgica. Da primeira reconhecem-se as composições dos poetas de corte patentes nos Cancioneiros e no de Garcia de Resende por exemplo; da segunda reconhecem-se os géneros populares das serranilhas, loas e baladas; da terceira recuperamos salmos, hinos, ladaínas e tropos, e excertos do cântico dos Cãnticos e do livro de Job.


Os autos são portanto também um tesouro poético que exemplifica toda a tradição peninsular nos seus diversos aspectos (popular, clerical e de corte).
 A dimensão retórica é de grande simplicidade usando Gil Vicente sobretudo a hipérbole e a metáfora (veja-se por contraste a retórica barroca, muito mais complexa). E as características versificatórias são: uso dominante da redondilha maior (verso de 7 sílabas) combinado com versos quebrados; versos de 11, 12 e 13 sílabas uado para falas oratórias ou para pôr a falar figuras da Bíblia. Assim consegue Gil Vicente contrastar os temas e situações profanas às sagradas, criar um ritmos coloquial em certos autos, facilitar a comunicação com o auditório e ser muito eficaz na construção das figuras pelos actores. Mas também se distingue pela beleza poética de certos efeitos linguísticos que consegue pelo contraste entre palavras, e na sugestão de sentidos.