A influência de Rafael de Urbino em Portugal: o conceito de VENUSTÀ.

10 Novembro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Falar-se de Rafael Sanzio (Urbino, 1483-Roma, 1520) equivale a destacar a VENUSTÀ, a VIRTÙ, a NOBILTÀ, o ALL’ANTICO, a LIBERALITÀ, o sentido humanístico e os valores do Renascimento nos seus áspides. O tratadista Francisco de Holanda, em 1548, chamou-lhe «Deus mortal».  Ernst Gombrich lembra que um dos mais famosos humanistas do tempo de Rafael, o cardeal Bembo, escreveu para o túmulo de Rafael este epitáfio: “Aqui jaz Rafael; enquanto viveu, a Mãe Natureza temia ser por ele vencida; agora que está morto, ela receia morrer também”. Rafael de Urbino, o mais jovem da trindade formada com Leonardo da Vinci e Michelangelo, foi sempre visto como o mais perfeito, por ser capaz de unir as formas da Antiguidade Clássica com o naturalismo da expressão, formando um novo ideal de beleza, a VENUSTÀ, marcado pela elegância e pose. Essa síntese de naturalismo, beleza e elegância é chamada pela crítica da época, e pelo Classicismo do séc. XVII, de “grazia”.Mesmo preferindo o «génio terrível» de Michelangelo na ‘bravura’ e ‘capricho’ das personagens do Juízo Final, o tratadista Giorgio Vasari (1550) destaca  em Rafael a PERFEITA PINTURA VENUSTA, último grau da qualidade atingível nas artes pelo espírito criador de um artista. E o nosso tratadista Francisco de Holanda (1548) fala da vertude de Rafael de Orbino: «lhe teve tanto amor (o Papa) que em Santa Maria Redonda, templo de Pantheon, tomou a cuidado fazer àquelle pintor a sepultura, cousa até então a nenhuma outra pessoa concedida n’aquelle templo». 

Na MADONNA DE SISTO (Dresden), Rafael atinge o esplendor do ideal de Beleza. Fiel à tese grega da origem matemática do Belo (segundo Aristóteles, o ideal de Belo só se achava na regularidade das formas geométricas), defende que para pintar uma bela mulher (como dizia Xeuxis no Mundo Antigo) era melhor escolher várias partes ou mesmo prescindir de modelo e servir-se apenas da ideia que lhe vinha ao espírito (carta a Baldassare Castiglione, 1514). Entre 1504 e 1508 Rafael está em Florença e reforça o seu conceito de Beleza junto de Angelo Poliziano, Marsilio Ficino e da corrente filosófica do Neoplatonismo.

O poeta português Garcia de Resende (1470-1536), contemporâneo de Rafael, escreve na sua famosa Miscellânea, uma surpreendente estrofe onde diz: «Pintores, luminadores Agora no cume estam, Ourivizes, esculptores, Sam mais sotis, e melhores, Que quantos passados sam: Vimos o gram Michael, Alberto e Raphael; E em Portugal há taes, Tam grandes e naturaes, Que vem quase ao liuel».