Gregório Lopes, expoente da pintura do do Renascimento português.

3 Novembro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Pintor régio de D. Manuel, confirmado por D. João III, e cavaleiro da Ordem de São Tiago, GREGÓRIO LOPES (Lisboa, c. 1480-1550) foi o mais notável pintor da «escola de Lisboa». Educado na tradição renascentista nórdica, com influxos de Antuérpia, pintou documentalmente no Tribunal da Relação (1518-19), no mosteiro de São Francisco da Cidade (1524-25), para o mosteiro de Ferreirim (1533-34), na Charola do Convento de Cristo e na igreja de São João Baptista de Tomar (1536-39), na Sé de Évora (c. 1540), e para o Bom Jesus de Valverde (1544). A primeira obra documentada do pintor régio de D. João III foram as pinturas que realizou em 1536-1538 para os altares da Charola do Convento de Cristo em Tomar, que são peças exímias de desenho, composição e cor. Destas, o MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO e A VIRGEM, O MENINO E ANJOS NUM JARDIM encontram-se no Museu Nacional de Arte Antiga.

O fundo do Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes em 1536-38 por encomenda de Frei António de Lisboa para um dos altares pequenos da Charola do Convento de Cristo em Tomar, hoje no MNAA, oferece-nos uma das mais detalhadas vistas da baixa de Lisboa no tempo de D. João III. Atestam-se as notórias dinâmicas de crescimento e modernização da cidade. Como observa António Borges Coelho (O Tempo e os Homens. Questionar a História. III, ed. Caminho, 1996), Lisboa desenvolve-se como cidade globalizada, a acompanhar o percurso das naus que demandam o porto, vindas de todas as partes do mundo.  No fundo do Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes, c. 1536-38, o trecho de Lisboa inclui também um torreão clássico centralizado, imagem de arquitectura de fantasia, que assimila este gosto requintado entre o realismo do ‘ar livre’ e a expressão da cultura  humanística all’antico.

A produção normativa da Oficina Régia de Lisboa dos anos 30 e 40, dominava então um regime de trabalho com características de tradição medieval (um trabalho anónimo, colectivista, gremial), tem bom testemunho na «sociedade» de empreitada que Cristóvão de Figueiredo, pintor do Cardeal-Infante D. Afonso,  forma com seus ‘companheiros’ Garcia Fernandes e Gregório Lopes para pintarem  os três retábulos da igreja do Mosteiro franciscano de Ferreirim, na Diocese de Lamego, em 1533-1534.

Entre os grandes empreendimentos dos espatários avulta o políptico renascentista, devido ao famoso pintor régio Gregório Lopes, cerca de 1540, na antiga igreja do mosteiro dos comendadeiras de Santos o Novo, cujas tábuas estão no Museu Nacional de Arte Antiga, seis delas, e em dependência do mosteiro, duas outras. É uma das mais significativas produções de Lopes, pintor régio de D. João III e cavaleiro da Ordem de Santiago (nomeado em 1520). As tábuas foram apeadas aquando das grandes reformas que sofreu nos séculos XVII-XVIII, sob estímulo da nova estética barroca. Provavelmente, trata-se de uma encomenda de D. Jorge de Lencastre (1481-1550), filho bastardo de D. João III e administrador da Ordem de Santiago de 1482 até à morte. A este nobre se deveu a nomeação do pintor Gregório Lopes, em 1520, como cavaleiro espatário e pintor adstrito às encomendas da Ordem militar de Santiago. O retábulo devia destinar-se ao altar-mor da nova igreja do mosteiro de Santos.A  abertura  estética sente-se na dinâmica do espaço renascentista,  no capricho das formas, no sentido da estabilidade e na harmonia compositiva, evidente nas tábuas do retábulo das Comendadeiras espatárias de Santos-o-Novo (MNAA). Mostra novas possibilidades do artista face às exigências dos seus melhores clientes, com atracção pelo exotismo  (o magnífico tapete turco).

A arte requintada do pintor régio tem expressão nos fundos de arquitectura clássica, onde se deleita a tratar (ao gosto da   construção renascentista de João de Castilho) as logge, balcões, varandas, arcadas e galerias de colunas, de ordem jónica ou coríntia, que entretanto se iam imiscuindo no gosto da obra pública e privada da Lisboa joanina, centro cosmopolita por excelência.