Céu espesso. Céu azul. Cianómetro. Música que resgata nuvens.
23 Fevereiro 2017, 16:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
1º Módulo: Nuvens
Demos início aos nossos trabalhos de forma lamentosa – continuamos sem poder em conjunto apreciar um céu com nuvens. Isto está a acontecer porque ou o céu tem estado de um azul absoluto e sem que o vapor de água tenha condições para se condensar na atmosfera, ou ele tem-se mostrado tão carregado e cinzento que não permite o nosso passeio imaginoso por entre as formas diversas que constituem um céu com nuvens. O que não tem acontecido de forma visível é aquilo a que Gavin Pretor Pinney chama o processo de convecção (33). Este processo consiste na transferência de calor da superfície da Terra para a atmosfera que origina a evaporação da água e a sua posterior condensação. Camadas mais ou menos quentes de vapor de água vão ascendendo, enquanto outras mais frias e densas se organizam em zonas mais baixas.
Se a aula de 5ª feira passada tivesse ocorrido hoje teríamos tido a oportunidade de comprovar o que acabo de escrever. Como o ar quente tem uma densidade menor do que o ar frio, ele eleva-se, atravessando o primeiro que mantém maior humidade e se apresenta mais fresco. Quando a humidade se condensa, isto é, passa do estado gasoso ao estado líquido, ela liberta energia, e essa energia determina que a massa de ar ascendente se torne menos fria do que o ar que a circunda. Hoje, no céu de Lisboa, temos formações de Cumuli e Strati que nos fariam bem ao espírito. A velocidade a que se deslocam as nuvens é visível porque existe contraste entre o azul do céu e a massa que elas constituem. A luz do sol ajuda à percepção de zonas mais densas que aparentemente não revelam uma mudança muito veloz, acentuando-se essa mudança nas zonas periféricas das nuvens que se deslocam de ocidente para oriente. Isto quer dizer que as nuvens de agora vêm do mar e talvez a tarde traga chuva.
A propósito do céu azul e da tendência generalizada para sistematizar e organizar o conhecimento sobre o mundo vivo, que ocorreu na Europa, a partir da viragem do século XVII para o século XVIII, e que teve nos Enciclopedistas franceses Denis Diderot e no seu amigo Jean le Rond d’Alembert os expoentes maiores de um movimento científico, filosófico e cultural de inspiração iluminista, que se consumou na publicação da Encyclopedie, (1728-1776), gostaria de recordar um acto de conhecimento imbuído deste espírito e que é revelador do interesse despertado na época pela cor azul dos céus. Trata-se da invenção do cianómetro, um aparelho concebido para medir a intensidade do azul na atmosfera. Este invento, concebido pelo meteorologista e geólogo suíço Horace-Bénédict de Saussure, foi utilizado pelo seu amigo Alexander von Humboldt na subida ao vulcão do Chimborazo (Equador) durante a viagem deste último pela América do Sul.
Dado que em breve nos iremos interessar um pouco pela aventura transcontinental de Alexander von Humboldt em território sul-americano, deixo-vos informação que invoca o uso do cianómetro pelo naturalista alemão. Um céu sem nuvens, a que tenho chamado um céu morto, é tudo menos isso…
https://en.wikipedia.org/wiki/Cyanometer
Do endereço electrónico acima deverão consultar especificamente a nota 4.
Relemos em conjunto o nosso sumário anterior com o objectivo de chamar a atenção para este instrumento de trabalho como extensão da aula e menos como resumo.
A nossa aula abriu com a audição de Clouds, The Mind on the Re(wind) (2013) do compositor e pianista italiano Ezio Bosso. Foi nossa intenção voltar a escutar a partitura de Bosso sem o complemento de nuvens que o tinha acompanhado durante a primeira audição. Verificámos que só a partitura em si era suficientemente rica para estimular a nossa audição e a nossa imaginação, aquela que poderemos reequacionar quando contemplamos nuvens, se bem que o objecto dessa contemplação seja outro. Ao certo interessou-nos relacionar o que ouvíamos com o que a nossa memória disponibilizava em termos de percepção e emoção sobre o assunto nuvens. Talvez tenhamos sido sensíveis ao ritmo e ao movimento da música de inspiração minimalista que Bosso executa ao piano, acompanhado pelos intérpretes Giacomo Agazzinni no violino e Reija Lukic no violoncelo.
A entrada de cada um dos instrumentos propicia uma captação de enriquecimento na escuta. Por um lado, ajustamos os nossos ouvidos a uma música feita de repetições e variações mínimas que vão crescendo em intensidade, altura e coloratura, por outro lado, tentamos incorporar essa audição num processo empático com o movimento das nuvens e as suas formações. O céu de Bosso e o dos seus colegas cruza-se com o nosso. Nada vemos e, no entanto, estamos sempre a recuperar o que vimos antes. Bosso é um êxtase natural como intérprete e compositor. A sua principal inspiração produz-se em função do modo como ele escuta a Natureza sem a querer imitar.
Leitura recomendada:
PRETOR-PINNEY, Gavin 2007, O Mundo das Nuvens – História, Ciência e Cultura das Nuvens, tradução de Sofia Serra, Cruz Quebrada: estrelapolar, pp. 259-331 + notas.
Endereços electrónicos sugeridos:
https://www.youtube.com/watch?v=OePtn6mx6fg
http://en.wikipedia.org/wiki/Cloud_Appreciation_Society
http://cloudappreciationsociety.org/
https://www.ted.com/talks/gavin_pretorpinney_cloudy_with_a_chance_of_joy
http://cloudappreciationsociety.org/