Descendo em direcção ao interior da Terra

6 Abril 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

2º Módulo: Montanhas, Vegetações, Vulcões, Cavernas, Desertos

Descida ao Interior da Terra

 

Começámos a descer em direcção ao interior da Terra. Fizemo-lo através de dois visionamentos muito distintos, ainda que sob a égide do formato de documentário cinematográfico.

Convidei os alunos a espectarem o filme de Werner Herzog, La Soufrière – À espera de uma catástrofe inevitável, de 1977, realizado a partir do conceito de paisagem em movimento (Eric Ames), que contém em si a ideia de que o que o realizador perseguia na altura não se descobre nem se encontra, porque existe por si no mundo natural. Apesar disso, o cineasta alemão foi movido por uma motivação – a provável e eminente erupção do vulcão La Soufrière, em 1977, na ilha caribenha francesa de Basse-Terre em Guadalupe – que levou Herzog a deslocar-se a esse lugar acompanhado pelos dois operadores de câmara Jörg Schmidt-Reitwein e Ed Lachman.

O filme com cerca de 30 minutos ocupa-se de um lugar vazio, do qual foram removidos os habitantes como precaução face à esperada explosão de La Soufrière. Seguimos os movimentos da câmara ora centrada na turbulência vulcânica e na paisagem fumegante, nos estrondos da Terra ululante e nas nuvens de dióxido de carbono e enxofre, ora percorrendo ruas desertas das quais a vida não se ausentara totalmente, pois o som de televisões acesas, o rasto de sapatos soltos abandonados, e diversos animais estonteados e em desorientação assinalavam vida contínua.

Herzog coloca-se na posição de testemunha ocular, descreve e narra o que vai observando, estabelece comparação com outros fenómenos vulcânicos espalhados por todo o planeta (uma espécie de A. v. Humboldt do séc. XX), criando mesmo um recuo no tempo histórico para mostrar imagens fotográficas de um outro vulcão, esse eruptivo, o de Mont Pelée na ilha de Martinica. O cineasta faz ainda o ponto de situação, recuando a 1976, menciona o nome dos seus acompanhantes, associa-se ao contexto nascido através da leitura de uma notícia alarmante num jornal, constrói uma estrutura dramática na qualidade de alguém que filma em risco.

Muitas seriam as perguntas que o espectador poderia fazer: O vulcão vai ou não explodir? Como se irão comportar o cineasta e os seus operadores de câmara? O que esperam mesmo encontrar? Existe uma estratégia para as filmagens? Trata-se de um filme que explora a ideia de veracidade dos factos (cinema vérité) ou ao som em directo do que escutamos sobrepõe-se a voz do realizador que nesse gesto estabelece com o espectador uma relação de cumplicidade?

O filme adquire um novo interesse a partir do momento em que os forasteiros descobrem um homem local disposto a morrer, se o vulcão se activasse mesmo, conforme previsto pelos estudos científicos vulcanológicos. Este é sem dúvida o grande e simples discurso sobre a liminar fronteira entre a morte e a vida. O habitante que fica para trás e se recusa a abandonar a ilha aceita de forma natural e perante a vontade de Deus a morte que se avizinha. Este é o homem que aguarda a catástrofe inevitável que o subtítulo do filme invoca.

Curiosamente La Soufrière termina sem o grande acontecimento. O vulcão não explode, o risco das filmagens deixa de fazer sentido, a reflexão sobre a vida e sobre a morte perde o significado sacrificial. A paisagem oculta no interior da Terra não se dá a ver, apesar dos múltiplos sinais da sua presença. Juntam-se-lhe os acordes da marcha fúnebre do Crepúsculo dos Deuses de Richard Wagner. Um modo paródico de concluir o filme?

 

Seguiu-se o visionamento de um documentário da National Geographic, narrado e explicado pelo fotógrafo profissional Carsten Peter sobre a gruta de Hang Son Doong no Vietname.

Qual o interesse específico deste visionamento?

As captações e comentários de natureza científica e pedagógica do fotógrafo inglês e veterano permitem-nos ter um inesperado encontro com uma floresta virgem dentro das profundezas da Terra, descoberta casualmente por um agricultor vietnamita em 1991. Só em 2009 se iniciaram as pesquisas e os estudos que prosseguem até aos dias de hoje na maior gruta conhecida no planeta.

Talvez a sublimidade deste espaço profundo, que dificilmente visitaremos, se possa comparar à dimensão sublime das filmagens e da banda sonora de La Soufrière de Herzog. As imagens transbordantes a que acedemos nos dois filmes oferecerão, por certo, resistência aos prospectos turísticos que nos prometem paraísos terreais longínquos inundados pela transparência da cor esmeralda e por céus diáfanos sem nuvens.

 

Endereços electrónicos:

La Soufrière, Werner Herzog, 1977, 29:46’

https://www.youtube.com/watch?v=EVVAGmlgDxI

 

Floresta vietnamita dentro da Terra

https://www.youtube.com/watch?v=lgBFl847z-4

 

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt