Montanhas, Vulcões e vegetações

28 Março 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

2º Módulo: Montanhas, Vegetações, Vulcões, Cavernas, Desertos

 

Alexander von Humboldt - um naturalista

 

Abrimos a aula com a projecção de imagens da viagem de estudo realizada por Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland à América do Sul (1799-1804). No entretanto recuperámos o mapa geral desse percurso mostrado em aula anterior.

Chamei a vossa atenção para o facto de que não iria dedicar o tempo de aula a uma apresentação biógrafa do naturalista alemão. Recomendei então a pesquisa wikipédica que, no caso deste cientista é extensa e cuidada.

Concentremo-nos nas imagens mostradas. Quase todas elas nasceram de desenhos e esboços feitos por A. v. Humboldt. Duas, porém, retratam Humboldt e Bonpland no terreno, rodeados de instrumentos de observação e medição, utilizados nas experiências de campo que ambos realizavam - Friedrich Georg Weitsch, Alexander von Humboldt 1806 (1) e Eduard Ender, Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland na floresta virgem, 1856 (2).

A análise que fizemos dessas imagens permitiu-nos aferir que os retratados dirigiam o seu olhar para o plano do observador, num caso (1), e, no outro (2), estabelecia-se uma relação de cumplicidade de Bonpland para Humboldt, sendo que este último voltava a encarar quem o contempla na imagem. Recuperava-se, assim, uma tradição da pintura de retrato que projecta para a posteridade a importância do acto de posar e de estabelecer contacto com o plano de observação. No entanto, no presente caso (as duas imagens) em vez de uma pose formal existe antes um estar informal de que se destacam as roupas de trabalho, embora limpas, os instrumentos no meio de muitos outros objectos, como que a atribuir vivacidade ao momento do retrato, acusando, assim, um fazer experimental que era aquele de que se ocupavam os dois cientistas. Em (1) encontramos Humboldt com o seu herbário, em grande plano, em zona protegida do exterior. O seu rosto transmite harmonia e felicidade e a pose é a de suspensão de um momento de trabalho. Em (2) volta a optar-se por criar um ambiente escuro e destacado do exterior visível. A pausa de trabalho parece configurar um instante de lazer alargado atendendo à postura de Humboldt. O espaço circundante carrega em si a actividade de pesquisa e recolha de espécimens botânicos, como se esse ambiente pudesse ser comparado ao que é o de uma floresta virgem. Verificámos também que a relação entre um primeiro plano e um plano mais distante do observador, retirava à paisagem o seu protagonismo.

De Friedrich Georg Weitsch temos ainda uma outra representação: Humboldt e Bonpland na planície de Tapia no sopé do Chimborazo, 1810. Este exemplar tem a particularidade de nos mostrar um dos interesses investigativos de Humboldt – o vulcão do Chimborazo – e de ser uma imagem que nos coloca perante um outro tema de trabalho: as relações entre os povos e o grau de tolerância, interesse e compreensão evidenciados por Humboldt em relação aos elementos de uma tribo que o circundam.

Tomámos então consciência de que a proporcionalidade da imagem é feita de três planos: à natureza pujante é dado o maior destaque, aos habitantes locais na sua labuta diária, o menor, e entre esses dois planos, à direita e com relevância, encontra-se o plano que enquadra o cientista conversando com um elemento da tribo, ambos do mesmo tamanho, sendo que Bonpland se encontra sentado e um pouco distante da conversação dos anteriores sujeitos.

De salientar o facto de que A. v. Humboldt e o seu interlocutor dirigem o olhar para o observador. Não se trata, portanto, da captação de um momento entre os dois, mas de um momento em que os dois invocam pela posição que detêm um relacionamento pacífico entre duas culturas e dois povos: europeus e indígenas. Esta postura adquire, assim, um significado extra-acontecimento casual e quotidiano na vida do cientista alemão. A roupa com que se apresentam destaca as diferenças entre ambos do ponto de vista dos hábitos e costumes. Ao lado do indígena está um cão pacífico e em pose como os humanos.

Nas duas imagens seguintes, O Chimborazo visto do Planalto de Tapia, XXV, Gravura colorida de M. Thibaut, a partir de desenho de Alexander von Humboldt, Paris, 1810 (4) e Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland, Geografia das Plantas em terras dos trópicos, pintura de natureza dos Andes, Paris e Tübingen, 1807, Gravura colorida de Louis Bouquet, segundo desenho de Lorenz Adolf Schönberger e Pierre Jean François Turpin, com base em desenho de Alexander von Humboldt (5) encontramos o vulcão do Chimborazo como interesse primeiro.

A representação da maior parte dos humanos em (4) é colectiva. Todos se movem numa única direcção, diluindo-se as suas figuras na própria paisagem natural. A deslocação faz-se no sentido contrário ao ângulo de visão do observador e anuncia a subida ao vulcão realizada em 1802. O tamanho das pessoas é idêntico ao dos animais em primeiro plano, as Llamas. O protagonismo é dado à montanha que, coberta de neve, do topo até metade, se expõe na sua evidente beleza e simplicidade. Exemplares botânicos locais, os cactos, enquadram o primeiro plano da imagem. A harmonia parece liderar as emoções dos aventureiros em diálogo uns com os outros. Fica mais uma vez registado o bom entendimento entre os deus europeus e os naturais do território, hoje Equador.

A imagem (5), intitulada de forma breve, Geografia das Plantas, para além da sua beleza natural, contém um programa científico traçado pelo naturalista alemão, pela primeira vez em toda a história da humanidade. Sem nos determos em pormenores, podemos afirmar que o intuito e propósito comparatistas se destacam, quando é criado por ele, a partir de modelos próprios da geografia – os mapas – uim instrumento de leitura abrangente de uma região ou território. Este instrumento ganha uma força especial ao juntar numa única imagem diferentes tipos de conhecimento que associam geologia, botânica, meteorologia, orografia, vulcanologia. De uma só vez é mostrada uma região com todas as suas valências naturais. O desenho e o corte do Chimborazo vêm acompanhados de tabelas explicativas que enunciam ao mesmo tempo informação necessária para a total compreensão do objecto em causa. Não podemos ignorar a beleza da ciência neste exemplar.

A imagem seguinte, Corte ideal dos anéis da Terra em montanhas, Esboço de Alexander von Humboldt, desenho de Joseph Fischer, mostra-nos uma outra actividade científica de A. v. Humboldt, o estudo do interior da Terra. Passamos a ver as montanhas por dentro e as suas ligações, projectadas sob a forma de anéis. Mesmo que não sejamos conhecedores desta ciência que se dedica ao estudo directo e indirecto do interior da Terra, podemos compreender o que A. v. Humboldt terá querido dizer com a expressão que titula a imagem. Um corte ideal pretende enunciar uma hipótese, cuja validação só o estudo e a experiência no terreno poderá validar. Sabendo que o interior da Terra é constituído por materiais moventes e que se agregam em camadas, o cientista cria uma metáfora bela através da imagem dos anéis, sabendo, porém, que a dinâmica do interior da Terra é um corpo vivo.

A penúltima imagem, Vulcão aéreo de Turbaco (Vulcan d’air de Turbaco, XLI), Desenho de Marchais sobre esboço de Alexander von Humboldt, gravura colorida de Bouquet, procura associar a temática dos vulcões e montanhas ao assunto bem mais vasto e complexo que é o relacionamento entre humanos de diferentes proveniências, culturas e civilizações.

O homem nu aparece aqui não como exemplificação do exótico mas antes como alguém que está integrado no seu meio-ambiente. O respeito por esse estar em conformidade consigo mesmo aplica-se também à representação de Alexander von Humboldt nesse lugar. O tema da conversação entre os dois homens, e de acordo com a gravura, é de novo a ciência vulcanológica.

Passagem do Quindiu na Cordilheira dos Andes, V Esquisso de Alexander von Humboldt é a última imagem desta série de selecção. Aqui continuamos no espaço de montanhas e desfiladeiros, mas o destaque do desenhista vai para a condenação de uma prática frequente, tanto na Europa como em outros lugares, e que consistia em transportar às costas os brancos visitantes. Os indígenas não só serviam de guias para os passeios dados na natureza pelos que chegavam de territórios europeus, como os transportavam em cadeiras de verga ou madeira flexível montanha abaixo e montanha acima. Esta prática já era utilizada no séc. XVIII em países como a Suíça, a Alemanha e a França. Este costume foi levado pelos europeus para o Novo Continente. Os autóctones submeteram-se e tornaram-se num meio de transporte, coisa que até então desconheciam.

As montanhas fascinaram desde sempre Alexander von Humboldt. Nunca durante a sua estadia em terras do Novo Mundo ele se fez transportar às costas de ninguém.

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

Série de imagens disponibilizadas aos alunos a partir de esboços e desenhos de Alexander von Humboldt e trabalhadas por pintores e gravadores amigos do naturalista alemão.